quarta-feira, 28 de julho de 2010

Macumbamóvel


MACUMBAMÓVEL


Desde o último post sobre o assunto “Entre a Luz e a Escuridão”, Gavião Negro tem ficado muito ocupado.
O Xamã com a ajuda do Seu Zé e Seu Meia-noite, conseguiram um convite para uma festa num Centro de Umbanda próximo à casa de Gavião Negro. O pai de Madame Loira recebeu o convite em casa de forma proposital.

O pai de Madame Loira já sabia que havia algo de errado com sua família, e que não era físico. Ele, a esposa e Madame Loira caíram gravemente doentes repentinamente. A peregrinação em Hospitais, médicos, exames e especialistas diversos não chegaram a nenhuma conclusão. A medicação receitada apenas era para aliviar os sintomas. Mas nem ao menos isso funcionava.


Curioso, levou a família e pediu a Gavião Negro seu apoio para ir a um Centro Espírita.

Lá, Madame Loira se confrontou com uma Médium que repetia suas palavras de ódio quando via que eu e o Xamã descobríamos e desmanchávamos seus feitiços maléficos. Como se estivesse possuída, Madame Loira caíra no chão várias vezes e quando voltava a si, se desmanchava em prantos. Mal conseguia andar e seus pais ficaram estupefatos com a cena. Por fim, colocaram Madame Loira em uma cadeira de rodas e a levaram para uma sala isolada para tomar passes energéticos.

Mais intrigado ainda, o pai de Madame Loira viu que a coisa era feia e que não era física. Família cristã e tradicional, tudo era novo e difícil. Difícil aceitar, difícil encarar. Para onde ir? O que fazer? O que houve? Isso existe?


Assim, quando o pai de Madame Loira recebeu o convite do Centro de Umbanda que o Xamã colocou em sua caixa de correios, não pensou duas vezes: Chamou Gavião Negro para acompanhá-lo e foram conhecer o local.

Lá, foram bem recebidos pela moça jovem que comanda o centro, herdado de sua mãe que já não tinha mais saúde para tocar a coisa.
Filha de Iansã, ela disse:

-Nosso Centro é do bem, só trabalhamos para ajudar. Se a doença da sua família for espiritual, aqui você poderá encontrar a resposta.

Gavião Negro acompanhou seu ex-sogro, a esposa dele e sua ex-mulher, Madame Loira em um sábado no Centro de Umbanda.
Todos de formação Católica, estavam meio envergonhados e com medo de alguém os reconhecer naquele local. Para cristãos muitos conservadores, tudo o que é diferente da religião deles, é basicamente coisa do diabo. No sábado, era um dia tranquilo e conforme os trabalhos foram acontecendo, a família foi se ambientando com a energia de lá.
Nisso, Ossain, o Orixá da cura das matas surge e vai trabalhando com o público. Quando chega próximo a eles, Ossain esfregou algumas folhas em suas mãos e energizou o pai de Madame Loira. O coitado estava com muitas dores pelas costas, e não conseguia nem ao menos virar o pescoço direito para dirigir, por isso havia pedido ajuda para o Gavião Negro. Quando Ossain retirou suas mãos dele, ele quase desmontou, de alívio.
Ossain tinha tirado toda a sua dor e seu mal estar.
Ossain esfregou as folhas nas mãos novamente e tocou a cabeça da mãe de Madame Loira. Ela estava com congestão nasal, enxaquecas recorrentes e lacrimejava até para falar, de tanta dor. Quando Ossain terminou, ela chorou copiosamente. Perguntada pela família o que acontecera, ela disse:
- Eu estou chorando de alívio, toda a dor se foi! É incrível, repetia ela sem acreditar direito no que havia acontecido.

Quando Ossain se aproximou de Gavião Negro, ele esfregou as mãos nas folhas novamente e tocou o peito de Gavião com as duas mãos.
Gavião Negro estava sofrendo demais com tanta pressão. O divórcio complicado, as mandingas, o vudu, as brigas. Tudo isso arrebentou com Gavião Negro e ele se sentia mal, angustiado. Quando Ossain o soltou, parecia ter tirado um peso do coração de Gavião Negro, ele se sentia renovado.

Vieram Caboclos, Baianos, Boiadeiros, Povo da Mata, etc. Quando passavam por Madame Loira, todos faziam caretas. Ao energizá-la, ela caía em convulsões estranhas. Numa língua africana antiga, caboclos comentavam baixinho entre eles e faziam cara feia, balançam a cabeça em desaprovação:
-Nós não estamos aqui para julgar, disse um dos Baianos. Mas essa moça precisa vir na sexta-feira para se tratar. A coisa aqui não está nada boa, completou ele.

Sexta-feira.

O povo da esquerda trabalha na sexta feira nos Centros de Umbanda.
Se alguém fez algum mal, eles contam tudo. Explicam como desfazer. Aconselham. Ajudam.
Os pais de Madame Loira ficaram tão felizes com o tratamento que receberam no sábado, que nem titubearam em ir na sexta.
Mas Madame Loira não queria ir. Ela sabia que sua família tivera sua saúde comprometida por causa do mal que ela havia feito. Que passava mal em Centro Espírita e na Umbanda, por causa disso tudo. Não queria voltar lá de jeito nenhum. Mas ela tinha que voltar. Se não se tratasse, o mal viria mais forte ainda e então seria tarde demais.

– Você vai sim, disse seu pai. Nem que vá arrastada. Eu quero saber o que é que está acontecendo nesta família, concluiu o velho.

Quando finalmente chegou a sexta, Madame Loira estava apreensiva. Ficou calada o dia todo, cabisbaixa.
Já seu pai, era todo prosa e alegria. Mal esperava chegar a sessão para conhecer as novidades. Ele simplesmente tinha adorado o Orixá das folhas, Ossain.
Quando chegaram no terreiro, ficaram sentados, esperando os trabalhos começarem.
Seu Zé Pilintra, Seu Meia-Noite, Exu Caveira e outras entidades da esquerda foram aparecendo.
Uma das moças que trabalham no Centro se dirigiu ao pai de Madame Loira:
- Se o senhor quiser, agora vocês podem conversar com eles.


O pai de Madame Loira se dirigiu ao Seu Zé Pilintra:
-Por favor senhor, eu gostaria de saber o que é que está acontecendo com a minha família. Todos nós ficamos muito doentes de repente. Não houve médico que nos tratasse. E além disso, minha filha sempre passa muito mal, seja aqui ou em um Centro Espírita.
Seu Zé se aproximou e escutou ao homem com cuidado.
De súbito, brincou um pouco com ele, fez piadas com outra entidade, jogou conversa fora. Pediu cigarros e uma dose de pinga. Dançou e brincou com as Moças Pomba Giras.
Depois, olhou para ele sério:
-O senhor quer que eu lhe responda direta e francamente, ou quer que eu ainda faça brincadeiras e rodeios, perguntou.

-Não, não, por favor, eu realmente preciso saber o que é que está acontecendo. Estou muito preocupado.

-Pois bem, senhor. A sua família foi toda acometida com essa doença que médico da Terra não cura, por que é espiritual. Tudo isso foi causado pela sua filha.
-Como?? Perguntou assustado o pobre homem.

-Sua filha. Ela fez feitiços com entidades muito baixas e muito brabas. Para fazer mal a outras pessoas. E também mexeu com vudu. E agora, todas as entidades baixas, invocadas por ela querem o seu preço. E é por isso que a sua família está sofrendo.

-Não acredito??!! O que estás dizendo?? Isso é mentira, disse o pai de Madame Loira. Minha filha jamais faria uma coisa dessas!! Eu a criei bem, nunca ensinei isso a ela, você está mentindo!! Disse em resposta ao Seu Zé.

-Se eu sou mentiroso, e sua filha inocente, então o senhor não tem mais nada para fazer neste terreiro, não? Concluiu secamente Seu Zé.

O pai de Madame Loira não acreditava no que ouvira. Mas assim que Seu Zé terminou de falar, ele olhou para a sua filha.
Ela estava sentada, cabisbaixa e amparada pela mãe. Chorava muito e não negou nada do que seu Zé havia falado. Ele então colocou as mãos na cabeça e andou trêmulo na direção de Madame Loira. Sentou-se do lado dela, a abraçou e se desmanchou em lágrimas.
Ficou abraçado a ela em choro por alguns minutos.
Ele não entendia, não acreditava que todo o mal que a sua família estava passando, havia sido provocado pela sua própria filha. Não entendia, não aceitava. Nunca iria imaginar uma coisa dessas. Depois de alguns instantes, ele se recompôs e determinado a resolver a questão, foi de novo falar com Seu Zé:

-Pois bem, agora o que podemos fazer?? Indagou o desolado homem.

-Bem, disse Seu Zé, pode não acreditar, mas vocês já receberam muita ajuda. Meu filho já ajudou vocês bastante! Comentou Seu Zé.

-Seu filho também é uma entidade, perguntou o pai de Madame Loira.

-Não!! Mas do jeito que ele trabalha, vai acabar virando, e começaram a rir. Ei, Meia-Noite, o menino ainda está vivo? Perguntou seu Zé ao Exu Meia-Noite.
Meia-Noite se virou com seu relógio na mão:

- Olha, até agora a pouco, ele estava sim, e todos riam.
-O problema não é ele morrer, explicou Seu Zé. O problema é explicar ao Oxóssi dele, que ele está morto!! E todos riam novamente.


O Xamã, que tem a linha da esquerda por herança, também a linha da mata da Umbanda: Filho de Oxóssi , ele também tem Ossain que o acompanha. O Xamã havia trabalhado com Seu Meia-Noite e Seu Zé Pilintra para que a família de Madame Loira conseguisse ir no Centro de Umbanda se tratar.

-Olha só, disse seu Zé para o pai de Madame Loira. Vocês terão que fazer muitos trabalhos. Se preparem. Peguem lápis e papel.

O pai de Madame loira ficou assustado com a lista que Seu Zé pedira. Na lista, tinha vela preta, galinha preta, pólvora, cachaça, e muitas outras coisas.

-Nossa, disse o velho para Seu Zé, isso tudo para resolver o problema??
-Nããão, meu filho, isso daí é só para tentar proteger ela!! Para acalmar a coisa que ela convocou vai precisar de muito mais, explicou ele.

-Nossa, muito mais? O que seria então?

-Meu filho, disse Seu Zé, uma coisa de cada vez. Arrumem o que eu pedi, e na próxima sexta-feira nós vamos começar a trabalhar. Daí depois a gente vai vendo o que mais é necessário.

Voltaram para casa arrasados. Todos estavam mudos no carro.
Gavião Negro os deixou em casa e voltou para a sua. Despediram-se timidamente. Ninguém tava a fim de conversa.

Durante a semana, o pai de Madame Loira pedira a Gavião Negro ajudá-lo a comprar algumas coisas. Na verdade, ambos estavam com vergonha de comprar qualquer coisa daquela lista. Sobrou para Gavião negro a pior parte.
Lá foi ele comprar galinhas pretas e vermelha, cachaça, pólvora, velas pretas e ervas específicas. Até bonequinhos em forma de caveira e de capetinha ele teve de comprar.
Envergonhado, ficava surpreso ao mostrar a lista na loja de produtos para Umbanda, e a atendente rapidamente juntar todos os ingredientes da mesma.
-Meu carro parece um Macumbamóvel, esposinha, desabafou.

Tadinho. Ele não tinha mais nada a ver com a história, mas eu ainda achava necessário que ele ajudasse. Afinal, aquela família já fora sua à pouco tempo, e eles não tinham culpa da filha que tinham.

-Eu sei querido, sei que você está exausto, mas pense no pobre do seu ex-sogro. Duvido que sozinho ele consiga ir em frente. Aquela mosca morta da sua ex, soube fazer mas não sabe desfazer o mal. Eu sei que não é fácil, mas olha, vocês têm muita sorte pois estão sendo assistidos e orientados. Façam tudo direitinho e em breve esse pesadelo vai acabar, expliquei.

-O pior mesmo, é o fedor de galinha que fica impregnado no carro, reclamou.

Eles vão na sexta com tudo o que seu Zé pedira. Eles esperam os trabalhos terminarem, para então trabalhar com Madame Loira.
A coisa é tão braba que nem acreditei nas palavras de Gavião Negro:
-O tio da moça do Centro, nos acompanha até a encruzilhada. Madame Loira fica sentada bem no meio dela. Em casa ponta, eles colocam uma entidade e então matam galinha em cada ponta, jogam sangue no chão, riscam no chão e falam coisas que eu não entendo. Até sangue na cara dela eles esfregam. Ela chora e grita, mas fica lá. E é um tal de beber cachaça, cuspir cachaça no ar e acender com fósforo, jogam cachaça no chão...Fazem isso muitas vezes.
A pólvora é colocada ao redor dela, e acesa também. Parece que cada entidade eles agradam com muita cachaça e sangue de galinha. Isso é para agradar uns Exus para proteger Madame Loira. Outras oferendas são para acalmar a coisa. Quando saímos de lá, a gente saí aliviado. Mas completamente esgotados.
No sábado, voltamos para conversar com as entidades e tomar passes. Daí a gente fica muito bem e agüenta a semana toda. Mas vai chegando quinta-feira, a gente já vai ficando temeroso pela próxima sessão. E toda vez pedem mais galinhas, mais pinga, velas. É horrível, desabafou Gavião Negro.


-Imagino que deva ser horrível mesmo, respondi.
Infelizmente ela pediu nossas cabeças, e ela nem sabia para quem estava pedindo. As pessoas acham que podem fazer feitiços para fazer o mal para os outros e fica tudo por assim mesmo.
Não. Tudo que vai, volta. E o preço é muito, muito caro.
Mas eles não têm outra saída. Ou é isso, ou a saúde deles vai embora.
Tudo nessa vida tem preço.


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