quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O que se leva da vida?


Minha mãe era uma mulher bem mesquinha.
Tinha suas qualidade e defeitos como todos nós. Mas seu defeito mais grave era o "excesso" de economia que dominavam as suas atitudes.
Trabalhava muito, ganhava bem, mas sempre alegava que estávamos sem dinheiro, que não podíamos fazer nem isso ou aquilo por que não éramos ricos. Guardava todo o dinheiro na poupança e nunca contava para ninguém quanto tinha.
Fazia segredo de tudo, a família nunca sabia quanto ela ganhava, gastava ou guardava. E ela ainda controlava o dinheiro do meu pai.
Mesmo na adolescência, quando eu precisava de roupas para ir à escola, respondía-me que eu deveria trabalhar, ganhar meu dinheiro e então ai comprar as roupas. Nesse ponto ela era muito cruel. Eu não pedia nada demais.Mas qualquer pedido já era muito para ela.
Para mim era muito frustrante por que nem se eu quisesse poderia trabalhar, não tinha nem idade ou experiência.
Ela não poupava ninguém e as empregadas praticamente passavam fome, pois quase não podiam comer direito.
Era muito feio, e eu me envergonhava disso. Mas como filha, jovem e dependente, as brigas não iam a lugar nenhum e ela ficava mais mesquinha ainda. Se eu pedisse um real sequer, o interrogatório era tanto, que eu até desistia. Exagero demais.
Morávamos em uma boa casa e eu estudava em bons colégios. Mas a casa estava sempre feia, porque ela não admitia gastar na manutenção de uma casa alugada. Eu ia para o colégio com roupas velhas e gastas, porque na cabeça dela, somente ela que trabalhava fora, necessitava de roupas boas para poder trabalhar.
Sinceramente, eu não via a hora de poder me formar, trabalhar e sumir da vista dela. Sumir de seu controle, da sua mesquinharia, dos processos movidos pelas ex-funcionárias. A vida realmente não precisava ser assim.
Me lembro de que qualquer discussão sobre dinheiro, e sempre ela me jogava na cara que com 12 anos já trabalhava e ganhava dinheiro.
Oras, o que uma criança com 1o anos faz depois que escuta isso? Eu pegava o jornal várias vezes para procurar emprego e enfim descobria que na época eu não tinha qualificação nem para faxineira. Acho que nenhuma criatura precisa passar por esse tipo de humilhação. Mas eu passei. Sem necessidade, pois ambos meus pais trabalhavam e viviamos em condições razoáveis.
Mas, como o destino nos prega peças, quando eu estava concluindo a interminável faculdade, minha mãe adoece de uma misteriosa doença :
ELA.
ELA, Esclerose Lateral Amiotrófica, é uma doença neural, degenerativa, que enfraquece os nervos do corpo lentamente, fazendo a pessoa perder todos os movimentos do corpo gradativamente. Até o óbito. O doente continua lúcido durante toda a fase da doença, inclusive terminal.
Não tem cura, nem tratamento paliativo. Fisioterapia, Riluzol (Rilutek), vitaminas, são paliativos para não dizer que não está fazendo nada. Mas nunca resolveu nada no caso da minha mãe.
Ela, ambiciosa e sedenta de dinheiro e poder, havia recentemente passado em um concurso em um Tribunal Federal. Logo seu salário foi subindo, à medida que ela ia conquistando cargos mais importantes.
Mas o seu comportamento em relação ao dinheiro piorou. Agora a desculpa era a doença:
- O dinheiro é meu, eu que ganhei.Vou usar para me curar. Eu sou a prioridade.


Ninguém ia discutir isso, ainda mais com ela. Mas eu sempre tive a impressão que ela se esquecia que tinha uma família. Nós tinhamos a obrigação de cuidar dela e ela era a prioridade da casa. Ela repetia esse mantra diariamente. O resto que se dane.
Então, meu sonho de estudar fora, viajar, conquistar o mundo, fora pelo ralo abaixo. Meu pai adoecera também e partiu. Minha irmã estudava fora e viajou para a Europa. Eu fiquei.
Fiquei resignada e arrasada.Pois além de ser uma doença muito sofrida, o doente fica muito dependente. Para comer, vestir, dormir e virar na cama, alguém tem que ficar o tempo todo com ela. Eu tinha que trabalhar, ganhava pouco, mas como o dinheiro dela , era só dela, eu temia por ela falecer e eu ficar sem nada, pois eu não teria direito a pensão.
Praticamente abri mão da minha vida para cuidar dela. E todo dia eu ouvia reclamações, insultos, e acusações de roubos. Que eu a roubava, que a empregada a roubava, que eu a tinha deixado doente. Enfim.
Chega um ponto que a gente conclui que só ta lá para pagar o CARMA mesmo.
Sangue é CARMA.
Não a amava, não a admirava. Não podia abandoná-la, pois não havia mais ninguém. Fiquei firme apesar dos insultos, dos golpes, das suas traquinagens. Quando eu ia trabalhar ou resolver os problemas da casa, minha mãe armava planos maquiavélicos.
Não me contava nada até eu receber a bomba. Daí, depois, quando tudo dava errado para o lado dela, óbvio, eu ia lá e ainda tinha que recolher os cacos, os remédios, o que sobrava dela.
Cada vez que ela aprontava, a doença dava um pulo. Avançava. Eu avisava a ela, explicava. Ela dizia que sabia de tudo , que ela que tava certa e eu que era a problemática.
Pois bem, pro inferno então.
Inferno.
Viver com essa mulher 30 anos da minha vida terrena era realmente um inferno.Uma prisão. Até que ela inventou uma viagem com minha irmã às escondidas. Por que eu seria contra, ela estava debilitada demais. Mas esfregou na minha cara, o mesmo mote de sempre:

-Vou para a Espanha, lá tem locais onde vão cuidar muito melhor de mim, vou gastar o MEU DINHEIRO com isso, afinal, o dinheiro é MEU e eu sou a doente, a prioridade é minha.Você nunca cuidou de mim direito, vive fora de casa e de mal humor.
Dois dias depois da viagem ela voltou.
Um lixo humano. A longa viagem de avião de ida e volta, a peregrinação por clínicas, etc. haviam exaurido o seu já enfraqucido corpo. Minha irmã volta serelepe para a europa e minha mãe quase que vai direto para a UTI.
Ficou um mês na UTI. Não me esqueço dos seus últimos dias na UTI, com uma traqueostomia na garganta e respirando com a ajuda de aparelhos, me ordenando que a tirasse dali. Queria ir para casa ver tv e tomar sopa. Não queria ficar mas nem um dia naquele local. Eu que rebolasse para dar um jeito.
Era uma ordem.Eu ficava sem rumo, sem resposta, sem nada. Naquela noite ela finalmente partiu.
Com o resto de dinheiro que sobrou, paguei as empregadas, enfermeiras, devolvi o balão de oxigênio e a cama hospitalar que tinha em casa.

Minha mãe tinha um closet abarrotado de roupas e sapatos. Nunca dera nada. Nem um chinelo velho. Eu queria desocupar tudo o mais breve possível para poder alugar o imóvel e engordar um pouco a minha renda. Liguei para umas amigas espíritas que prontamente receberiam as roupas e calçados e os enviariam a abrigos de idosos. Na mesma semana que ela faleceu, doei suas roupas, seus milhões de sapatos e sua cadeira de rodas. Tudo para a caridade. Isso já tem uns 6 anos.
Outro dia, conversando sobre o filme "Nosso Lar", meus amigos espirituais comentaram da minha mãe, da sua da arrogância, da mesquinharia.


-Sua mãe ficou doente por causa dela mesma. Ela sempre rezava pedindo dinheiro, poder. Fazia entregas à Iansã, que é a Orixá dos negócios para pedir mais dinheiro, mais coisas. Mas o dinheiro que ela recebia ela guardava para si. Não ajudava ninguém, nem sua própria família. Sua mãe nunca lembrava de agradecer à Iansã. Só reclamava. E nunca fez caridade. Isso é muito grave. Iansã ficou muito brava com ela. Quando a doença veio, nenhuma entidade cortou o mal. Deixaram a doença evoluir para ela aprender.Mas infelizmente sua mãe nunca aprendeu em vida a ser mais desapegada da matéria. Quando a pessoa é boa e gosta de ajudar os outros, os Orixás e seus protetores ajudam a cortar o mal. Os orixás não deixam ninguém rico, mas se vc sempre agradar eles com oferendas e caridade, eles nunca te deixam desamparado.

Depois de tanto tempo, finalmente eu tinha entendido o porquê daquele sofrimento todo.Ela nunca conseguiu aproveitar o dinheiro que tinha ganho.Só gastou com médicos, remédios, tratamentos que nunca funcionaram, empregados e enfermeiros. Não sobrou nada!Não conseguiu viajar, nem curtir a vida direito. E nas poucas vezes em que saíamos, reclamava de tudo e dava chiliques frequentes. Mas era uma prisão em vida. Um castigo.


Segundo relatos, quando minha mãe chegou no Mundo Espiritual, ela foi tratada por um jovem médico, que havia sido soldado enfermeiro na 2° Guerra Mundial e havia morrido novo, preservando seu aspecto jovial da sua última vida. Ela achava simplesmente um absurdo que aquele 'rapazinho" estivesse cuidando dela. Logo ela, que era mais velha, mais sabida, mais vivida e experiente. Ela reclamava tanto dele, que um dia falou com o chefe dele, um senhor mais velho:

-Ah, até que enfim alguém para resolver isso, é um absurdo esse rapaz tão novo ficar cuidando de mim, ele não me deixa fazer nada.

O chefe do Hospital Espiritual explicou então que Rodrigo, o guia dela, havia morrido na 2° grande guerra e que já estava desencarnado a cerca de 70 anos. Que ela não se enganasse com a sua aparência jovem e que ele era o mais indicado para cuidar dela. Ela ficou muito brava mas engoliu em seco.

E depois, eu soube que ela reclamava de mim, quando chegou lá:
-Um absurdo, um absurdo!! Dizia minha mãe para os guias e outros recém desencarnados:
-Uma filha me abandona e a que fica comigo, pega e dá todas as minhas coisas, meus móveis, minhas roupas, meus sapatos..Meus sapatos!!!!

Uma das desencarnadas elogiou minha atitude:
-Que bom, doou para a caridade? Que coisa boa, que exemplo de desapego...

-Mas ela não podia ter feito isso, esbravejou minha mãe: -Eram minhas coisas!Minhas!!!!

-Mas dona Maria..., a senhora não está mais viva, não mora mais naquele plano terreno. Aquelas coisas não iam lhe servir mais....Disse Rodrigo, o guia da minha mãe, tentando fazê-la entender do absurdo da situação.

-Mas são minhas coisas. Minha filha não tinha esse direito!Não tinha!!!Eu ia buscar minhas coisas, mas ela deu tudo, tudo!!!!

-Mas Maria, você ia buscar COMO????

- Ha..Não sei ..Eu podia pegar um táxi e ir lá buscar. Mas ela deu tudo!!!

-Não Maria.Não dá para a senhora pegar um táxi e ir na sua antiga casa pegar as suas coisas. Você tem que aprender a não ser tão materialista. Foi por causa disso que a senhora ficou tão doente. E encerrou o assunto.

Enfim, então soube que ao invés de reconhecer que eu fui a única que ficou do lado dela até o fim, não, ela me xinga até do outro lado da vida, para reclamar de umas roupas e sapatos velhos. Sinceramente, não quero mais ser filha dessa mulher nem daqui a 2000 anos. Ninguém merece.

Mas esse apego exagerado realmente é muito comum. Vivemos em um mundo terreno onde a matéria é barganha. Precisamos de dinheiro para comer, viver, precisamos de carro para andar, trabalhar, etc. Mas têm que ter um olho vivo nisso, deve haver um limite.
Procure sempre doar roupas que vc não usa mais, sapatos e móveis para quem precisa. Eu recomendo doar para pessoas próximas, que vc sabe que estão com dificuldades. Acho que ajuda muito mais do que simplesmente entregar uma trouxa de roupas em uma porta qualquer. Procure se orientar e se infomar de creches e asilos próximos a você e quais são os ítens mais necessários. Se vc puder, faça uma doação mensal.
O trabalho voluntário também é uma forma de caridade. Ajudar aos outros em hospitais, ou em centros especializados é muito bom e fazem bem para a alma. Sempre ajude e faça caridade. Sempre.

Barack Obama, dando exemplo de voluntariado nos EUA

Outro dia, ajudei uma amiga a fazer a sua mudança. Zilhões de roupas e sapatos.
-Mas criatura, vc usa realmente isso tudo?Perguntei.

-É meu, é tudo meu.Uso Tudo. Disse ela, resumindo secamente.

-Impossível, repliquei. Separe uma parte e doe um pouco.

Me olhou estarrecida.

-Fulana, a gente não leva nada deste mundo. A gente leva experiências, aprendizados, conhecimento, amigos, momentos felizes. Mas não levamos nem carro, sapato, roupas. Saímos deste mundo como entramos: Sem nada. Nú.

Sabe qual foi a resposta dela??

-Mas era por isso que os Egípcios tinham gavetas em seus caixões....Para levar as roupas e jóias para o outro mundo...

Afs...mais uma que vai dar trabalho para desencarnar...

Zilda Arns, um belíssimo exemplo de vida e de ajuda ao próximo.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Um pouco da História do Vudu

Bom,

Depois de um certo tempo alimentando este Blog, percebi a nítida procura das pessoas em tentar se defender ou de fazer magia para prejudicar outras pessoas. Eu pessoalmente já sofri muito com ataques, e tive que aprender a me defender contra esse tipo de coisa.
Mas, defesa não é ataque.
Sendo assim, pedi ao meu amigo Xamã, que conseguiu encontrar um Mestre Vudu no Mundo dos Espíritos que nos ajudasse, a escrever um texto sobre a Magia Vudu.
Lembrem-se, que quando fazemos o mal à alguém, esse mal volta com mais força contra nós.
E para podermos evoluir, é preciso ajudar ao próximo.
Aproveitem a leitura!



“Você me vê, você não me conhece,

Você me vê assim mas você não me conhece,
Abrace este homem, mas tome cuidado com seus dentes!”

- Ponto Vudu cantado de advertência e alerta.

No Mundo Espiritual, em um dia qualquer.

Caminho de dia à beira-mar ao lado de meu amigo Pagu. Reconheço o lugar onde estamos: É uma praia no Haiti, certa vez estive lá com Barão Samedi, ele me contou que lá muitas famílias jogavam seus filhos recém nascidos ao mar por não terem condições de alimentá-los.
Pensei certa vez em procurar na Terra por fatos verídicos do que me foi dito. Mas deixei isso de lado, na verdade não me interessaria descobrir mortes de bebês por afogamento.
Sentei-me no chão, Pagu parou um pouco a minha frente, abriu os braços, fez uma oração em seguida virou-se para mim.

- As praias daqui são maravilhosas não acha?

Acenei com a cabeça que sim.

- Talvez eu peça para retornar ao Haiti em minha próxima reencarnação.

- Isso é sério? Você poderia retornar em um outro lugar longe daqui, deixar de lado essa coisa de magia e vudu um pouco. Viver uma nova vida. Disse a Pagu.

- Ora, você pode ser um branco feio com os cabelos de ouro, mas ainda assim é um Xamã, não é? De que adiantaria uma nova vida totalmente diferente? Uma hora os tambores da magia iam ecoar dentro de mim, e eu voltaria a procurar o Vudu.
Isso é verdade. Uma vida inteira dedicada à magia deixa suas marcas, no corpo e na alma.

- Certo Pagu, o xamanismo faz parte de mim, porém tenho uma vida normal, trabalho, pago contas e na verdade eu gosto disso. Não me agrada pessoas que vivem apenas do misticismo, e ficam julgando que qualquer coisa é uma simbologia besta.

- Um ser mágico pragmático? Há! Diga-me uma coisa: como você se sente quando escuta o som de tambores?

- Meu corpo se arrepia, o coração acelera, e algo dentro de mim desperta.

-Um amante da magia, um ser apaixonado por ela!

- Ah, não força!

-Então o sobrenatural não o encanta mais?

- Gosto de coisas simples.

- Como o quê?

- Como a sua cara quando nós dois discutíamos no Plano Espiritual sobre como livrar o marido de Mulher Gavião do Feitiço Vudu e ela o escutou diretamente, sem intermediários, mesmo estando em planos diferentes.
Risos.

- Sobre o que eu falava com ela mesmo?Relembrou Pagu.

- Você estava dando instruções de como tirar o Vudu do marido dela, feito pela ex-mulher, na hora que você falou sobre ingerir sal ela o escutou e agiu imediatamente.

- Ah sim! Época interessante aquela! Você entrou voando em forma de falcão na minha sala pedindo ajuda, e eu não tinha idéia de que era um humano! Falando na minha sala eu tenho algo pra você, leve-me de volta até o meu escritório!

Com o indicador, risquei um ponto de luz no horizonte, e assim se abriu um Portal. E por ele retornamos para onde minha amizade com o Mestre Vudu começara.
Em sua sala, Mestre Pagu remexeu em meio a manuscritos, derrubando alguns ossos. Chamou seus criados, falou em francês com eles, gritou com todos, depois achou o papel que queria, retornou um sorriso a seus criados depois ordenou que saíssem.

- A linha africana de magia cai bem em você, assentiu Pagu.

- Não me lembro de nenhuma vida na África, respondi com desdém.

- Ah isso não importa! As linhas de magia não estão em você à toa. Agora venha comigo, se nós nos conhecemos por causa do Vudu, nada mais justo que você o entenda melhor.

Assumi a forma de falcão e saltei no ombro de Pagu. Ele leu o pergaminho em voz alta e uma fina névoa nos envolveu tampando toda a visão.
Quando a névoa se dissipa, percebo que estamos em uma floresta. Escuto ao longe negros entoam cânticos, e dançam ao som de tambores.

Tambores.

África.

Pagu começa a falar:
- A mãe África! Vudu, Umbanda, Candomblé, Santeria, tudo pertence à África!
As religiões se transformaram cada uma em uma identidade própria, mas todas têm a sua essência aqui. O povo que você vê é a tribo dos Fon, do reino Daomé. Geralmente associam a eles, os escravos que criaram o Vudu no Haiti. Embora outros povos de etnia Yorubá também façam parte disso. Afinal com o tempo os habitantes já ficavam esperando novas incursões dos brancos para se defenderem. Então os brancos procuravam outros povos que não conheciam os escravizadores para tornar a captura mais fácil. Esta é a última noite de muitos deles, amanhã serão escravizados ou mortos.
Vamos embora daqui.

Mais uma vez névoa a nos cobriu completamente, quando ela baixou vi índios. Era uma viagem no tempo!

- Estes meu amigo, são os ARAUAQUES, explicou Pagu. Viviam no Haiti antes da chegada dos colonizadores brancos. Estes pobres também foram escravizados e mortos pelos brancos, raça desgraçada a sua, sabia? Amanhã os índios terão o mesmo destino dos negros.

Ignorei o comentário, não queria discussão ideológica, somente queria aprender.

Pagu continuou:
- Por fim, estes são os colonizadores: nobres, padres, plebeus etc. Achando que o cristianismo é a única alternativa correta no universo, ignorando o panteão africano e de qualquer lugar do mundo. Os escravos, sejam eles índios ou negros (e até alguns brancos condenados) mesclaram os deuses indígenas e africanos com os santos católicos. Isso se deu tanto como do convívio com os agricultores europeus, como forma de enganar os brancos e se adaptar a seu novo lar forçado, e aqui que as coisas ficam interessantes. De toda essa mistura européia, indígena e africana surgiu o Vudu, algo parecido com os ritos afro-brasileiros como a Umbanda e o Candomblé. Até hoje é dito que 90% dos Haitianos são católicos e 100% são Vudu. Eu digo que é a mais pura verdade.
Todos temem a Deus, e todos acreditam nos Loas.

Na viagem pelo tempo de Pagu, a nuvem se dissipa e mostra a colonização do Haiti: europeus caminham entre negros e índios.


Pagu caminha até uma igreja improvisada em meio a movimentação. Trata-se de uma cabana com bancos de madeira e um altar com santos e uma cruz.

- Como surgiu boa parte dos ritos da magia negra?-Indagou-me Pagu.

- De rituais católicos? –Arrisquei.

-Exato! Pegam o que é santo e transformam em profano! A sagrada cruz fica invertida, as velas brancas para preces a Deus são trocadas por velas negras e vermelhas para pedidos ao diabo! Isso que me dá nojo! Tudo relacionado ao vudu é tratado como magia negra! Quando na verdade Magia Negra veio da Europa praticada por freqüentadores da igreja Cristã que aprenderam seus rituais e depois os perverteram! Muita coisa do vudu mal, cruel, foi passado por europeus brancos praticantes de Magia Negra.

- Sim meu amigo, mas eu não procurei você para lutar contra magia negra, mas sim contra vudu. Tudo tem um lado bom e ruim, disse a Pagu.
Pagu abriu um sorriso de leve.

- Ou se está com Deus ou com o Diabo, não se pode servir aos dois ao mesmo tempo. Você está certo, há o Vudu bom e ruim. No começo o Vudu era um meio dos escravos pedirem proteção, cura de enfermidades e a felicidade em geral de seu povo, sua comunidade, mas como alguém pode ser feliz escravizado? Torturado? Foi aí que o lado mal do Vudu ganhou força. O fato dos ritos ancestrais africanos serem vistos como blasfêmia por seus amos cristãos também ajudou a demonizar o vudu. Então quando os franceses mostraram a magia negra a adeptos do vudu, misturaram energias poderosas com resultados perigosos.

Pagu sentou-se, voei de seu ombro para um banco mais próximo do lado de fora. Vi aquele movimento lá fora pensando que muitos anos se passariam até o Haiti se tornar o que é hoje. Viro-me mais uma vez para observá-lo, então reiniciamos a conversa.

- No Vudu temos os Loas, seriam equivalentes aos Orixás no Brasil, e de fato são bem próximos. A deusa das águas aqui se chama Yemaya, no Brasil, Yemanja, o Xango daqui seria o Xangô brasileiro, Ogu, guerreiro senhor dos metais, como Ogum. Creio que já entendeu.

- Dizem que os Orixás eram humanos que foram elevados a Deuses, refleti.

-Sim, sim, foram grandes reis, sacerdotes, príncipes, caçadores e guerreiros, um panteão maravilhoso que se transmutou para fora da África. Eles são os Rada.

-Quem? Perguntei.

- Nos cultos afro-brasileiros temos os orixás que vieram da África, e dentro desse mesmo culto temos entidades que viviam no Brasil que foram incorporadas as crenças africanas, como o povo da esquerda que você herdou de seu pai, e os boiadeiros que habitam a casa de sua amiga.
Meu pai nunca me dera nada em vida, e na sua morte me deu entidades como Zé Pelintra e Barão Samedi que habitavam meus sonhos quando criança.
Como diz o velho ditado: ”Pobre só herda santo”.
Pagu me interrompeu dos meus pensamentos, me explicando mais uma vez sobre o Vudu:

- Os Rada são o equivalente aos orixás, Deuses que vieram da África. Já as entidades que se incorporaram depois já no Haiti são chamadas de Petros.
Pagu caminhava agora para a beira da praia. Voltei a forma humana e parei de pé na areia :

- E quem seriam os Petros?

- Negros mortos em sua maioria. Alguns com a intenção de fazer justiça, mártires, outros são auxiliados por demônios que escutavam as preces dos vivos que desejavam vingança contra seus senhores, e assim o faziam, e aí que a justiça vira maldade. Para você entender melhor seriam algo como espíritos obsessores na linha do espiritismo Kardecista. O que muitos médicos brancos atribuíam certas moléstias aos insetos e ao clima tropical, às vezes era um outro motivo, invisível a olhos comuns.

-Pagu indicou para o mar- Até mesmo certas tempestades e vendavais que abateram embarcações e destruíram obras construídas por brancos tratavam-se de grupos de Petros atacando em bando.
Petros e Radas são tratados como elementos opostos que fazem parte de um, Petro é o mal, o fogo, Rada é bom, a água. Para os dois cultos há entidades específicas, com seus ritos e deuses.

- Você já viu um Petro? Conhece algum?
O feiticeiro Vudu parou e se ajoelhou próximo a uma poça dágua, olhou para ela, vendo seu reflexo, sua expressão se tornou sombria então seus dedos tocaram a poça, criando ondas e desfigurando a imagem no reflexo.

-Vejo um Petro sempre quando faço vidência na água, conheço muito bem, conheço-o intimamente.

- Você...

- Sim.

Embora eu soubesse que era um poderoso feiticeiro Vudu de nome cristão (Pagu não é seu nome verdadeiro) que havia utilizado seus dons para o mal por muito tempo. Só muito tempo depois de desencarnado se arrependeu de tudo que fez e começou a trabalhar para o Bem.
Pagu nunca falava muito de si próprio, e nunca havia me contado detalhes de seu passado. Na verdade ele nunca tocara no assunto, e por educação e gratidão por ter me ajudado, eu nunca o indaguei a respeito. Agora, inesperadamente, me confessava parte de seu passado sombrio.

Ele parou de mexer na água dando um soco abrupto na areia. Olhou para o mar, e para o sol, sentindo como se Deus nos olhasse. Pagu se ajoelhou e curvou-se, ficamos em silêncio até que ele quebrou o silêncio.

- Antes de ser Petro fui Bokor, a versão sombria de um Hougan.

Houngan.

Barão Samedi havia me chamado assim certa vez. Houngan é no vudu algo como um Xamã, um Mestre Espiritual. Realiza casamentos, feitiços, faz adivinhações, vê o futuro etc.

Na primeira vez que conversei com Pagu ele me disse: “No final somos todos feiticeiros”. E fazia sentido, seja Houngan ou Xamã, são apenas termos diferentes para funções equivalentes.

- Um feiticeiro.

- Sim, filho de Houngan com uma Mambo.

- O que é uma Mambo?

- Uma mulher-feiticeira. Houngan e Mambo são os mestres do Vudu, seriam algo como pai e mãe de santo no Brasil. Meu pai era um bokor, praticante de magia negra. Seqüestrou a mambo mais poderosa que conheceu, a estuprou, e o fruto desse estupro sou eu. Ele nunca me escondeu este fato, dizia que eu já nasci amaldiçoado e que no momento oportuno me daria como presente a algum demônio. Depois que nasci minha mãe foi morta, pois meu pai tinha medo dela. E ele tinha razão, pois ela voltou dos mortos e se vingou dele. Eu fui o instrumento da sua vingança. Em seguida eu a traí, no começo dizia que era por medo de ser o fruto de uma violência, mas a verdade é que eu queria o poder dela, e eu o tomei para mim, dela e de meu pai. Eles são espíritos gêmeos. No Vudu eles são chamados de Marassa, eles reencarnaram para acertar suas dívidas. Mas a mim foi negado isso, eu me pergunto se ainda mereço redenção depois de tudo que fiz.

Ouvir tudo aquilo era como levar um soco na cara. Tentava assimilar aquilo tudo e dizer algo ao mesmo tempo, mas o momento me dizia para ficar em silêncio.

- Depois que morri, havia um demônio que me acompanhava. No começo ele se passava por um Hougou, um espírito da guerra e dizia estar comigo para me ajudar na justiça contra meus inimigos e inimigos de meu povo. Depois seu jeito foi mudando, assim como eu e a palavra justiça nunca mais surgiu de sua boca. Só falava em vingança, e o pior era que eu gostava. Quanto mais mal eu praticava, mais parecido com ele eu ficava. Disforme e violento.

- Pagu, você não precisa...

- Estou falando do mal! Conheça-o para combatê-lo! Agora continue me escutando!

A linha africana mantém padrões comuns mesmo em lugares diferentes do mundo. Sempre haverá os sacrifícios animais, as oferendas, sempre entregues em locais como encruzilhadas, florestas e rios.
O fato consumado com o catolicismo também é importante, pois santos católicos podem intervir na proteção de uma pessoa, aliado ao poder de um Rada, se dá uma forte proteção. Eis um dos motivos para boa parte das famílias haitianas adeptas do vudu, exigirem um batismo cristão para seus filhos. Um haitiano é 90% cristão e 100% vudu.

- Muitas pessoas viam os negros mortos cercando as casas de seus antigos senhores, e mesmo os brancos desencarnados tinham medo de sair de suas casas, mesmo depois de mortos. Pediam inutilmente ajuda aos vivos, que se assustavam ao vê-los. Muitos Houngans se aproveitavam disso e sumiam com os corpos, começava aí as lendas sobre os zumbis.

- Então Zumbis não existem? São apenas lendas?

- Não exatamente. Há várias maneiras de se criar um zumbi. Essa maneira de sumir com os corpos enquanto as almas perambulam pela terra tem seu sentido. De posse do corpo a alma que ainda se apega a ele se torna escrava do Houngan. O sal é recomendado nesse caso justamente por ser um poderoso antídoto. Corpo e alma são limpos, feito isso o espírito é liberto, o mestre perde poder sobre seu escravo. Eu mesmo costurava a boca dos corpos que possuía.

- Então basta apenas ter o corpo?

- Sim, embora muitas famílias se protejam para evitar que seus familiares mortos se tornem zumbis.

-Como?

-Apelam para seu velho amigo: Barão Samedi. Colocam comida sobre o túmulo do morto, pão e café que ele adora, e a oferecem ao Barão, ele por sua vez retribui cuidando do morto, com isso o Houngan fica impedido de violar o corpo e tomá-lo como zumbi. Alguns demônios mais poderosos podem fazer um acordo com o Barão para que ele deixe a tumba ser violada, mas são casos raros e negociações complexas. Geralmente são corpos de figuras importantes, como Papa Doc que até hoje tem guardas humanos vigiando sua tumba para evitar a violação do corpo. Mas fora isso, NINGUÉM ousa desafiar o Barão, com exceção de você, que foi estúpido o suficiente para tentar agredi-lo aquela vez.

Não gostava dos deboches dele, mas dada a situação era bom ver o velho Pagu que conhecia de volta. Não via seu sorriso quase cínico, de habitual, mas por um instante o homem sombrio que fora no passado. E agora ele dera lugar momentaneamente ao feiticeiro arrependido, que tenta redimir de seus pecados trilhando o caminho da luz.

- Então não há zumbis vagando por aí em sua forma física?

- Não como aparecem naqueles filmes estúpidos. Existem processos bem apurados de tortura física, psicológica, e ervas usadas em poções que podem gerar traumas severos a mente de um ser humano. Assim o levando a um estado de demência facilmente confundindo a pessoa afetada com um zumbi. Como em muitos casos o processo leva tempo, muitas das vítimas acabam sendo dadas como mortas, então seu súbito retorno em um estado senil levam-nas a acreditar nas lendas de zumbis e a temerem os Houngan.

- Eu pensei que os Houngan eram como os Xamãs.

- E são, há quem use seus dons para o bem e outros para o mal.

- Até agora não o vi falando bem de um Houngan.

- Eu cresci cercado de feiticeiros poderosos mas cruéis. Segui pelo mesmo caminho, então não espere que as primeiras palavras que saiam da minha boca sejam de elogios aos Houngan. Mas se quer saber, sim, há Houngans que praticam o bem. Infelizmente só os conheci depois de morto. São exigentes e disciplinados, sem eles não sei se conseguiria.

- O que fizeram para endireitar você?

- Me mostraram o mal que causei, depois me fizeram sentir toda dor que causei. Depois disso enlouqueci, e aos poucos fui recobrando a sanidade. Meus guias especificavam horários, roupas, orações, locais, tudo devia ser na hora certa com a roupa certa. Isso tudo havia antes, claro, para o bem ou para o mal na magia deve haver comprometimento. Mas as entidades, as energias que me cercam agora, são tão diferentes, tão boas, poderosas e eu as desprezava, achava que sua compaixão era pena. Como fui tolo.
Pagu virou-se e olhou demoradamente para sua ilha.

- Sabe o que significa a palavra Haiti?

- Não.

- País montanhoso. Os espanhóis quando invadiram meu país deram a ele o nome de ilha Hispanõla. Quase eliminaram os índios por completo. Durante as grandes navegações, os piratas usavam a ilha como ponto de interceptação de navios. Um ótimo ponto estratégico. Não foi à toa que Espanha e França se mataram pelo controle desta ilha, embora nunca tenham perguntado aos nativos o que eles achavam disso tudo. Malditos.

- Já que estamos falando de nomes, o que significa a palavra vudu?

- Muitas coisas, em cada língua uma coisa diferente, mas em cada uma pode-se achar a essência do vudu. Na África vudu seria um termo para santo no reino do Daome, já na França os europeus trouxeram o voudoise, uma variante da bruxaria européia. Os negros falavam sobre algo santo para protegê-los, e os europeus entendiam que se tratava de vingança, de causar o mal, o que reflete bem o caráter do vudu: sagrado e maldito ao mesmo tempo.

Nisso, uma cobra negra surge do chão. Por reflexo me transformo em falcão e tento saltar com as garras em cima da cobra. Mas Pagu se mete no meio, então dei uma volta no ar e parei em pé na forma humana. Era óbvio que ele esperava por aquele animal.

- Levei muito tempo para fazê-la, foi um trabalho cansativo mas valeu a pena, não estrague tudo agora.-disse.

A cobra ergueu-se até chegar a sua mão. Pagu a segurou pela cabeça, então ela se tornou rígida, como uma bengala, o feiticeiro a analisou, sorriu, então bateu com sua ponta no chão, então aos poucos o lugar aonde estávamos desaparecia e um outro lugar ia se formando.

- Bom meu caro amigo, venha, precisamos continuar nossa viagem.

E com um bater de bengala, a paisagem ao nosso redor muda até surgir de novo a casa de Pagu. Estamos em sua sala de estudos, livros, caveiras, ossos, pergaminhos e demais objetos.

Sentamos-nos em sua sala um de frente para o outro com cerca de 3 metros de distância. Seus criados trouxeram rum (que ele adora e eu aprendi a gostar com ele), e olhei para a caveira na qual havia pousado aquele dia. Como se soubesse o que estava pensando, Pagu interveio:

- Naquele dia que você veio até mim, senti que você era um Xamã. Mas também pensei que você fosse um feiticeiro da seita Zandor.


- Quem?

- Já falei sobre os ritos Rada e Petro, mas o rito Zandor é o rito mais secreto do vudu, tão pouco conhecido que chega a ser tratado como lenda por alguns, só falo dele aqui em minha casa. O máximo que posso lhe dizer é que os mestres Zandor podem se transformar em animais assim como você. Até aí nada demais, trata-se apenas de manipulação da forma espiritual, truque simples depois de alguns anos no Mundo Espiritual. O que chama atenção é que em vida podem incorporar os espíritos da natureza, das feras, o que lhes gerou as lendas de serem capazes de abandonarem sua forma humana e se tornarem animais. Já pensou incorporar uma criatura selvagem? Perguntou pagu.

- Você é um feiticeiro Zandor também?Indaguei.

- Não, o conhecimento deles eu arranquei de um Zandor à força. Primeiro exigi que me fizesse seu discípulo, quando ele se recusou, eu o seqüestrei e torturei por meses até arrancar tudo que podia dele. Por fim, arranquei sua cabeça.

Enquanto falava, a bengala de Pagu voltava a ser uma cobra. Ela subiu lentamente no sofá de seu mestre e ficou na parte mais alta, olhando para o lado. Pagu continuou:

- O encontrei depois do meu tratamento, aos poucos fui sendo seu discípulo, dessa vez por vontade dele, ainda assim não me intitulo de Zandor, ainda não sou digno.

Um dos criados de Pagu veio até mim, deu-me um livreto marrom.

- Era seguramente literatura medieval: os desenhos, o papel, lembrava os manuscritos de mestre Valmont. Parecia um manual, com anotações em francês e ilustrações de demônios, pessoas deitadas cruzes etc.

- Isto é parte da história. Nos campos repletos de escravos e brancos circulavam literaturas como essas. Literalmente manuais de instruções com práticas de proteção contra doenças, ou de como causá-las. Estas pequenas obras vulgarizavam a medicina e a magia, acabaram sendo transmitidas oralmente como crendice popular, neste processo muito da essência se perdeu.

Maurice, um dos criados de Pagu (um dos mais estúpidos diga-se de passagem, chamado “carinhosamente” por seu mestre de “Burrice”) começou a mexer com a cobra negra sob a cabeça de seu mestre. Em francês Pagu ordenou que parasse, então Maurice se ajoelhou e ficou quieto. Enquanto outro criado (François, creio eu, ainda não decorei o nome de todos) surgiu com outra garrafa de rum, levando a vazia.

Nisso Maurice acenou novamente para a cobra, brincando com ela. A cobra num salto brusco, mordeu o infeliz no rosto, e então os dois caíram rolando no chão. Pagu os ignorou, e simplesmente continuou a conversa enquanto Maurice gritava e rolava com a cobra lhe mordendo fortemente o nariz:

- Embora seja uma linha poderosa de magia o vudu está perdendo força, sua essência.

Eu ainda não conseguia tirar os olhos da cobra e de Maurice no chão, mas ainda assim Pagu não se movia em relação ao caso.

- Ahn, você acha? Respondi retornando ao assunto.

- Sim, infelizmente por força das autoridades do mundo físico o vudu tem ganhado uma roupagem mais leve, muitos aspectos dele estão sendo deixados de lado para agradar os brancos. Eles invadem meu país há séculos, o violam como uma puta desgraçada, mas sugerem que o cristianismo deva ser implementado em todo Haiti. Eu estive nessas reuniões de reconstrução do país. Há militares brancos, líderes católicos, protestantes, até anglicanos, mas não há nenhum líder vudu nessa comissão. Ainda assim, Deus tem um plano certo? E eu prometi não praticar o mal novamente.

- Pagu, sua cobra...

- Sim, sim, já entendi.

E com um estalar de dedos de seu mestre, a cobra se tornou madeira novamente, caindo rígida no chão.

- “Burrice” levantou-se com o rosto inchado, ainda assim sorriu pra mim, ergueu a bengala e a entregou a seu mestre, por fim, saiu curvando-se da sala.

- Vamos passear um pouco, está na hora de conhecer os detalhes dos rituais do vudu.

“Eis os recém nascidos dos espíritos,
Ei-los aqui!
Observe os recém nascidos que vão ser consagrados,
Eis os recém nascidos dos espíritos!”

- Canto Vudu de iniciação

Com sua bengala Pagu fez com fossemos levados a outro lugar, um templo, semelhante a um terreiro de umbanda/candomblé. Haviam pessoas lá, um local a céu aberto, todos unidos em um círculo, vestidos de branco, ao redor de um tronco colocado propositalmente no centro.
Eu já havia estado em um ritual vudu em New Orleans, agora tinha certeza que estava no Haiti.

- Estamos no Perisltyle, seria o equivalente ao terreiro de candomblé. O tronco que está vendo é o Polo Mitan, é por ele onde descem os espíritos.

- Nunca vi um tronco no meio de um terreiro.

- Porque você sempre freqüentou terreiros de Umbanda, o vudu é mais próximo do Candomblé, lá você verá um tronco.

Batidas de tambor, algo dentro de mim desperta, Pagu percebe.

-Ah! Nada como a batida primitiva dos tambores não é cabelos dourados? Venha aqui, veja: os panos presos ao tronco. São convites aos espíritos, as cores agradam a cada entidade, de acordo com a linha do praticante. Os seguidores do vudu são chamados de vodouisant.

- Estes, disse pagu apontando dois jovens- são housins, os iniciados, as roupas brancas não são apenas parte do ritual, mas também uma referência as roupas usadas pelos negros escravos. O ritual que vemos hoje é o ritual Mambo.


Vejo pessoas dançando, bebendo rum, por fim um dos dançarinos incorpora uma entidade. Ela prontamente recebe uma galinha, não sei se está viva ou morta, ainda assim a entidade não parece se importar: arranca um pedaço dela com uma mordida, mastiga e abraça o Hougan, depois recebe rum dele e caminha ao redor do Polo Mita sendo saudado pelos fiéis. A cena é impossível de não ser comparada a um terreiro no Brasil.

- Uma vodouisant parece me ver, ela dança ao meu redor, seus olhos arregalados, então diz “Diable”. O diabo. E visto o que os brancos fizeram ao seu povo ela não está tão errada.

Depois outra mulher recebe um cesto, tira de lá uma cobra, coloca-a próxima ao rosto, então quando ela é tocada pela cobra parece entrar em transe. Pagu volta a falar:

- Segundo a lenda vudu, os primeiros homens criados eram cegos então a serpente Damballah deu a visão à espécie humana. No ritual é dado a ela visão especial e poderes sobrenaturais.

- Devemos ir, não quero irritar as entidades que estão vindo, e nem devemos atrapalhar o rito.

Ele estava certo, partimos.
Estamos agora em uma casa simples, também pode ser facilmente confundida com as favelas do Brasil. Um homem reza, usa roupas de padre, parece estar se preparando para uma missa.

- Este é um père,é um padre-vudu. Ele fez o seminário católico mas, não se tornou padre, são muito comuns no Haiti.

Então ele sai de sua casa, caminha para fora, aonde pessoas o esperam, um casal traz uma criança no colo, há uma mesa que serve de altar improvisado, com um pote e uma caixa no chão.


O padre entoa cânticos, então em um determinado momento passa um cordão na cintura da criança, pega um líquido pastoso de dentro do pote e passa no bebê. Em seguida tira da caixa que estava no chão uma carcaça de um animal morto, seu estado de decomposição é tamanho que não consigo identificar que animal era.

- É um batismo vudu, o cordão é mágico, pra protegê-lo, o líquido são baratas espremidas, como se fosse uma cola, e a carcaça de burro é colocada como armadura, agora o padre entoa que isso é tão nojento que as mulheres vampiras não vão desejar a criança.

Ficamos assistindo o ritual, aproveito que não podem nos ver e pergunto:

- Todos haitianos fazem isso?

- Pode-se dizer que sim, até os que negam fazem. Sempre foi assim em toda história do Haiti. Meu país foi o primeiro da América latina a se declarar independente, isso foi em 1804. Meio milhão de negros e mulatos revoltosos sob o comando de Toussaint L’Ouverture! Mas infelizmente só queriam ser uma nova França, queriam ser a mesma coisa que seus senhores, estar no lugar deles, então usaram o mesmo discurso dos brancos: “Vudu é um atraso no Haiti.” Dá pra acreditar nos próprios negros rejeitando o vudu? Pelo menos o discurso era esse, em suas casas de estilo europeu continuavam a praticá-lo, mas o negavam publicamente.
Queriam ser europeus. Vai ver por isso deu tão errado. Em 1806 o Haiti perdeu seu líder e ex-escravo Jean-Jaques Dessalines, foi deposto e morto, um castigo por negarem sua origem.

O Haiti ficou separado por líderes em pontos isolados do país até Jean-Pierre Boyer unificar o país em 1820. Só na década de 20 com a chegada dos americanos, os Haitianos voltaram a procurar sua identidade e olhar para seu passado africano, e o vudu voltou a ser pregado orgulhosamente como religião, embora em 1940 houvesse forte campanha contra a prática do vudu. Até por fim ser reconhecido em 1987 na constituição, do mesmo modo que o crioulo, a língua vinda da mistura do idioma indígena africano e francês. Quase um vudu falado.
Está entendendo?

- Sim, mas não conhecia nenhum dos nomes que citou, mas não escutei você falar no Papa Doc.

Ah sim! François Duvallier, o Papa Doc! Ele só começou sua ditadura em 1957, dizia ter entidades do Vudu a seu serviço, e falava para qualquer um ouvir que o assassinato de Kennedy foi encomendada por ele em um terreiro vudu. Sabia como causar medo, não é à toa que ficou no comando até a morte, em 1971. É uma das carcaças podres mais desejadas do vudu. Eu mesmo ia adorar um pedaço do seu cadáver! Aliás, vamos visitar sua tumba!

Antes que pudesse protestar já estávamos de frente para a tumba. Um pouco longe dela, mas dava para entender o motivo: haviam seres disformes próximos a tumba, como se esperassem alguém se aproximar, então apenas observei mais uma vez.

É uma tumba com uma espécia de pirâmide na frente com escadas laterais, em cima há uma porta em forma de cruz e uma placa com dizeres que da distância que estava parecia ser o nome verdadeiro de Papa Doc.

- Sabe, você é vivo e anda no espiritual, podíamos bolar um plano e você me conseguiria um pedaço do Papa, o que me diz?

Olhei para Pagu, que imediatamente entendeu que minha reposta era um claro “NÃO.”

- Tudo bem, não custava perguntar certo? Já que estamos aqui deixe-me mostrar mais coisas.
Vê os demais túmulos? No vudu temos duas almas: Gros bon ange o “grande anjo bom”. Seria o nosso corpo astral, que sai do corpo enquanto se dorme ou em transe. A segunda alma chama-se Petit bon ange o “pequeno anjo bom”. Essa alma protege e guia o adepto. Quando a pessoa morre, ela permanece por alguns dias guardando o corpo. Após nove dias depois do enterro, é realizado um ritual para afastá-la. O petit bon ange depois de partir se transforma em algum objeto ou animal, geralmente uma grande serpente e após a transformação deve-se continuar os rituais de sacrifícios e cerimônias dos parentes. Se por algum motivo a família do morto não continuar com os ritos fúnebres, a vingança da petit bon ange se voltará contra eles.

Pagu pegou uma porção de terra então me mostrou.

- Terra de cemitério! Quem quer fazer mal a alguém tem de vir a meia noite com oferendas, depois pegar um punhado de terra e espalhá-la por onde o alvo do vudu andar. Também usa-se pedra de túmulos, elas servem como um alvo, geralmente são jogadas nas portas e janelas da casa da vítima, então ela começa a adoecer e ter problemas na sua vida. Este é um exemplo de vudu feito por bokors.

-E como se proteger? Pergunto.

-Se você tem uma fé, um credo muito forte as chances de ser afetado são poucas, ainda assim se perceber algum sintoma estranho é bom procurar ajuda médica depois espiritual. Banhos de arruda e sal grosso do pescoço pra baixo ajudam, e sempre de noite pelo menos uma vez por semana beba água com sal antes de dormir, isso limpa o corpo e o vudu perde força.
No caso de crianças, limpe a casa e o quarto aonde elas dormem, passe também arruda e sal grosso no chão, troque sempre as roupas de cama e queime ou urine sob qualquer coisas suspeita ou que não existia antes e surgiu do nada. Há quem coloque feitiços em roupas e brinquedos, o mesmo destino eles devem ter: urina ou fogo, melhor ainda os dois.
Ah sim, vampiras adoram cabelos molhados, recém limpos, crianças não devem dormir nunca de cabelo molhado, nem andar na rua com o cabelo molhado por volta das 6 horas, é o período de transição entre dia e noite, muitas criaturas da noite estão despertando, inclusive as vampiras.

Pagu andou mais um pouco então mostrou um osso.

- Ossos! Outra poderosa ferramenta vudu! Usada muito para adivinhação, assim como os búzios!

- Porque ossos e não cartas por exemplo?

- Porque ossos fazem parte de um ser vivo! Ossos falam igual seus donos! Para adivinhações simples pode-se usar ossos de animais pequenos, como galinhas, para adivinhações mais poderosas pode-se acrescentar ossos de feiticeiros mortos, e até de bebês mortos sem um batismo, chamamos estas crianças de zumbis lutins que captam poderes com facilidade.

-Então é só juntar ossos e pronto?

- Nâo, deve-se consagrar os ossos e pedir iluminação a sua entidade protetora, isso serve para qualquer prática vudu, seja qual for. Você deve sempre dispor de um horário pré determinado, e se comprometer com este horário ao culto vudu, usar vestes rituais, de preferência branco, então só depois de entrar em sintonia, deve-se começar as práticas mágicas.

O mestre vudu subiu em um túmulo, e começou a falar mais alto, vi que próximo de nós se agrupavam algumas pessoas, provavelmente mortas. Tanto eu quanto ele não nos importamos, ele continuava:
Para a realização de uma boa magia necessitamos meditar e ter uma boa concentração, só assim entramos em sintonia com as energias mágicas, e só assim poderemos dosar a quantidade de magia envolvida no feitiço. Só através desses passos que desenvolveremos a DISCIPLINA necessária para mexer com o vudu, a disciplina nos limita ao que importa, a nos concentrarmos na magia, nos abster de sexo e comer somente o necessário, uma vez ao meio dia outra a meia noite, de resto apenas água.
Alguém despreparado pode acabar matando a si mesmo pois ao desejar o mal para alguém este mal retornará muito pior a ele.

Só assim poderemos ter contato com espíritos antigos, como os espíritos guias da família que ficam por perto dos parentes por gerações, enquanto alguns outros espíritos podem até sugerir matrimônio com um vivo, se for realizado o casamento um vodousaint incorpora a entidade, por fim o père realiza o casamento. Após se casar com um espírito, o praticante deve respeitar seu desejo e passar um dos dias da semana sozinho, sem sair com ninguém.

Além disso há dias meses e horas favoráveis para a prática, e é aqui que entra parte da herança européia, tanto pra o bem quanto para o mal. Alguns conceitos da cabala foram trazidos para o vudu, para a criação de proteção por exemplo utiliza-se os anjos cabalísticos, então é criado um escudo mágico através de um ritual, aonde se desenha no chão um círculo com o nome do anjo dentre outras coisas.

- Ossos, cabala, zumbis, o que mais se usa no vudu? Ah sim, tem o boneco vudu também!

Risos.

- Achei que não ia perguntar do boneco.

Algumas pessoas se aproximaram mais ainda, uma delas tentou me morder, então dei um salto para trás e me transformei em cobra.
Imediatamente surgiram gritos, e o cemitério em instantes ficou vazio como se todas as almas de lá sumissem.

- Serpente estúpida!-gritou Pagu- você espantou minha platéia!

- Sua platéia tentou me morder!

- Ah sim ai você resolve se transformar em Damballah! Nem se fosse o Barão os infelizes iam sentir tanto medo!

- Sou uma naja!

- A porcaria de uma cobra se transformando na frente deles vai ser sempre na sua mentalidade a serpente Damballah!

- Desculpe mas eu não vou ser mordido por um morto-vivo!
Pagu abaixou a cabeça, desolado. Desceu do túmulo, enfim bateu com seu cajado no chão. Voltamos para sua casa, eu ainda na forma de naja.

- Um dos criados nos esperava com duas garrafas de rum em uma bandeja, mas ao me ver derrubou tudo e se jogou no chão.

- Damballah! Ó grande Damballah!

Pagu visivelmente irritado gritou com o criado por ter quebrado as garrafas, depois virou-se para mim e “educadamente” pediu que voltasse a forma humana.

- Chega de serpente, maldição! Você pode voltar a sua forma branca e feia?

Ri com aquilo e retornei a forma humana.

Nos sentamos, ficamos em silêncio, acabamos rindo de tudo que tinha acontecido, por fim retomamos o assunto:

- Aonde tínhamos parado cabelo dourado?

- Materiais de vudu, bonecos.

-Ah sim sim, venha!

Caminhamos até a sala de estudos de Pagu, por fim uma porta se abriu no meio de uma das paredes; entramos por ela.
Havia uma mesa com pregos, e um desenho rústico na parede.

- Pregos! Muito bons também no vudu. Metal é um elemento poderoso. Na época da colônia e depois quando o Haiti era dividido por líderes em pontos diferentes, os Hougans colocavam pregos nas pegadas dos líderes pra afetá-los. Você viu também o uso de animais, mas são usados além de seus restos mortais, saliva, leite e outras coisas. Ah sim, aqui!

Havia em suas mãos um boneco. Um boneco vudu!

-Eis aqui um boneco vudu! Bom, diferente do que se diz, um boneco no começo era usado para o bem, para proteção da pessoa, era uma maneira de canalizar energia para o alvo, e também de confundir os espíritos que desejavam atacar a pessoa feita no boneco vudu. Era como por um sósia e ele atacar o sósia, mantendo o original a salvo. Mas, infelizmente o mesmo valia para o mal, então os bonecos começaram a ser usados para canalizar energia negativa para o alvo.

-De que é feito esse boneco Pagu?


- Cera, o melhor material sempre é cera ou pano, madeira também, mas varia do tipo, depois se mistura no boneco cabelo, unhas e coisas pessoais da vítima. Quanto mais próxima a semelhança melhor. Hoje em dia usam fotografias da vítima. Enfim, com isso há uma seqüência de agulhas que incorporam no processo de acordo com a ordem para o bem ou para o mal. Usa-se 9 agulhas, sangue de galinha para por o nome da pessoa, terra de cemitério, e como disse vestes pessoais da vitima além de cabelo, unhas etc.

- Ainda lutamos contra essas coisas ocasionalmente.

- Faça o que fizemos daquela vez, água com sal, e o resto que já lhe disse.

- Preciso ir meu amigo.

- Tudo bem, depois você aprende mais.

Então o abracei e agradeci pelo conhecimento. Sentei-me na poltrona, e devagar fui dormindo, para acordar no mundo dos vivos, e durante a viagem lembrei da última vez que fomos lutar contra o vudu.

Pagu entrara na casa de mulher gavião através de um portal feito por mim, olhamos para a casa, para ela e vimos que estava tudo relativamente bem, ela dormia em paz, mas estávamos preocupados com algum outro feitiço lançado por alguém. Pagu riu e disse “Escute e aprenda.” Por fim começou uma oração e suas mãos negras brilharam como um raio de sol.

- Deus todo-poderoso, faça com que os espíritos malignos e nocivos se afastem daqui por todos os séculos, amém. A cruz é minha glória e minha defesa, é meu estandarte e apoio, afaste de mim todas as armas cortantes de meu caminho. Todos os perigos, todas as doenças, todas as maldades, nos envolva em Seu manto protetor, amén.
Ri por um instante, embora a situação fosse séria.

- Qual é a graça cabelo dourado?

- Ela não gosta do cristianismo.

- Bom, faz parte do Vudu. Agora uma prece a São Lourenço:
“Lourenço resista. Eis o anjo que aparece à sua frente, São Lourenço, AMPASITOT, TOUVIOUS COTE SOUCOTE, AMÉM ZIDOR, POMMATIETHU, POMMONAUTO, proteja esta mulher, por nosso senhor Jesus Cristo”.

Saímos da casa, Pagu jogou ossos no chão, então fez desenhos no chão e entoou mais cânticos.

- Agora está tudo bem. Disse por fim.

Então eu acordei, mas sabia que nada fica bem para sempre. Nem ficará, o santo e o maldito sempre estarão a nossa espreita.

Considerações finais sobre a Prática do Vudu:

NÃO FAÇAM O MAL


Muitas pessoas julgam estar em dificuldades por causa de terceiros e se julgam na razão de utilizar recursos como a magia para causar dor para outras pessoas. Algumas vezes por inveja outras por vingança, querem que seu alvo sofra tanto ou mais do que elas, sendo que não se sabe o que foi feito no passado, então antes de atribuir seus males a outros, pense no motivo de estar sofrendo sem se fazer de vítima. Um dos maiores defeitos do ser humano é culpar a todos, menos a si mesmos.
Então cuidado antes de culpar a Deus por um ente querido que foi morto, pois em outra vida você pode ter assassinado uma outra pessoa, causando igual sofrimento a família da vítima, motivo pelo qual você está sendo punido agora e sentindo a mesma dor que inflingiu. E NUNCA será esquecido o mal que você fez, seja por vingança ou por inveja.
Na frente de Deus Ele não vai acreditar em suas tolas palavras.

Como se defender de vudu:

Beber água com sal várias vezes ao dia;

Banho de arruda e sal grosso do pescoço para baixo, depois do banho de asseio;

Limpar a casa com água e arruda e jogar sal grosso nos cantos da casa, entradas e saídas;

Acender vela e pedir proteção ao Anjo da Guarda e Santos protetores.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Técnicas de Regressão de Vidas Passadas

Tenho visto a grande procura por técnicas de Regressão à Vidas Passadas.
Não sei se é influência da mídia, filmes, novelas, ou uma curiosidade natural.

Reconheço que a informação é escassa, o que pode levar muitas pessoas a se aborrecerem com falsos terapeutas, charlatães e etc.
Antes de qualquer coisa quero deixar claro que apenas a própria pessoa ou um médium tocando esta pessoa com seu consentimento pode ver as vidas passadas desta.
Então esqueçam sites milagreiros, cartomantes suspeitas, etc.

Antes de tudo, essa experiência deve ser encarada como uma importante descoberta pessoal.
Os objetivos da Regressão é a Auto-compreensão, Aprender com os erros passados, Perdoar-se e aos outros, Auto-conhecimento, Superar traumas de Vida passada, Evolução como pessoa e espírito.

Se você deseja fazer regressão para ver se foi alguém famoso, esqueça.
Boa parte da população humana não teve nenhum glamour em suas vidas.
Para fazer a Regressão de vida passada, você vai precisar:

1) Um caderno exclusivo para anotações;
2) Um local para relaxar em silêncio (músicas são desaconselháveis);
3) Roupas leves e confortáveis.
4) Um amigo ou pessoa de confiança para "Guia"

O Diário das Regressões será importante para mapear as suas lembranças.
Use-o e escreva sempre, mesmo quando as imagens forem simples ou sem sentido.
É muito importe esse registro. Você até pode depois passar para um arquivo no computador, mas eu prefiro papéis mesmo, pois computadores são atacados, arquivos perdidos, vírus, etc.

Existem várias técnicas.Vou descrever a técnica que funciona comigo.
A pessoa pode tentar fazer a regressão sozinha ou acompanhada.
Eu sugiro que as primeiras vezes a pessoa faça acompanhada. É mais produtivo. Quando a gente tá começando, é tudo muito mais difícil e o sono acaba nos vencendo. Com o auxílio de um amigo, fica mais fácil manter a concentração e evitar ficar "divagando'.

Bem, antes de tentar fazer a Regressão, sugiro antes que a pessoa se habitue a fazer exercícios para estimular os CHACRAS.
Os Chacras são vórtices de energia do nosso corpo energético. Em especial o CHACRA DA VISÃO, ou Terceiro Olho, é o chacra mais importante nesta experiência.


Faça exercícios diários, sentado em um local calmo, você poderá se exercitar até no seu trabalho.
Neste exercício, você pode usar músicas relaxantes ao seu gosto.
Imagine seus chacras brilhando intensamente, e trabalhe com cada um em separado. Depois imagine um local agradável como uma cachoeira, ou uma floresta, etc.
Então puxe a energia dessa natureza através dos chacras. Faça mentalizando um de cada vez.
O ideal é estudar os chacras e mentalizá-los, absorvendo a energia das florestas, da água, do universo através deles.
Isso os estimulará e ajudará a você abrir o Terceiro Olho, o chacra da visão.
É importante fazer esses exercícios periodicamente. Você se sentirá mais energizado, mais bem disposto e também ajudará a evitar doenças.
Vale a pena saber mais sobre os Chacras.


Bom, trabalhe os Chacras regularmente e se habitue a mentalizar com o Terceiro chacra, o "Terceiro Olho".

Antes de fazer a regressão, é preciso respoder a seguinte pergunta:

- O que procuro?

Pois as nossas lembranças estão "arquivadas". Quando nascemos tudo é esquecido para um novo recomeço. Mas aos poucos a nossa personalidade vai tomando forma, influenciada pela nossa família, pelo nosso meio e pelos resquícios de lembranças das nossas vidas passadas.
Sentimos medo de água mas nunca nós afogamos? Temos dores crônicas inexplicáveis? Temos um dom magnífico e queria saber mais sobre ele?
São caminhos.

Outros caminhos sugeridos:

- Gosto tanto da minha amiga fulana. Quero saber se nós já nós encontramos em outra vida.
-Gosto tanto da França. Quero saber se já vivi na França em outra vida.
-Gosto tanto de cantar. Será que já fui cantora?
-Tenho tanto medo de água , de me afogar. Será que em outra vida me afoguei?
-Gosto tanto de histórias de Faroeste. Será que eu já vivi naquela época?

Medos, gostos, paixões, afinidades, dons.
Tudo isso são resquícios que vieram à tona, de nossas vidas esquecidas.
E como um anzol, elas nos guiam para o passado.
Procurar um caminho, ou uma razão para a regressão é importante para direcioná-la. Sem isso, ficamos divagando durante a regressão e raramente vamos à algum lugar.
Por isso é importante definir os seus objetivos e anotar tudo.

Uma coisa é importante. Se você não quer ver algo, seus guias espirituais vão te proteger e você não verá.

É importante saber que na regressão somente vemos o que queremos ver.

Dificilmente a morte de outras vidas aparece nas experiências. A não ser que ela seja extremamente necessária para esclarecimentos de fatos da vida atual, e funcionam como terapia e não para piorar o trauma.
Lembranças marcantes como guerras, sofrimentos e mortes podem nos trazer a tona os nossos sentimentos daquela vida.
Podem acontecer momentos de choro, alegria, tristeza. Tudo isso é normal.
São passageiros. Fazem parte da experiência. É como se voltássemos ao passado em uma máquina do tempo.

Então, os seus chacras já estão tinindo de energizados, você já providenciou roupas confortáveis, local adequado e tranquilo e uma pessoa de confiança para ser seu Guia.
Você já comprou um lindo caderno exclusivo para as suas anotações.
Já definiu os seus objetivos.
Então vamos começar!!

1) No local escolhido, deite-se de forma que a cabeça fique ligeiramente mais elevada que o corpo, de forma relaxada. Relaxe todos os seus músculos mentalmente e lentamente.

2) Trabalhe seus chacras, energize-se com os "locais de força" preferidos, como cachoeiras, florestas, mar, etc. Eu adoro me energizar pelo Universo. Imagino grandes nebulosas e via lácteas e puxo a energia delas através dos chacras. Seu amigo pode ajudar falando pausadamente para você energizar cada chacra separadamente. Não se esqueça do "Terceiro Olho" !

3) Agora o papel do seu amigo é fundamental. Ele deverá guiar você até o seu passado.
Com voz serena e calma ele te conduzirá, um passo de cada vez:

- Imagine um lindo corredor.Você está nele caminhando calmamente. Descreva esse corredor.

-No final desse corredor existe uma porta. Descreva essa porta detalhadamente.

- Toque na porta. Segure a maçaneta. Abra a porta. Ao abrir a porta, você vai ver uma luz muito forte.

- Entre pela porta. No momento em que você passar por ela, você vai ver a sua vida em.... ( aqui vai o seu objetivo, o que você quer ver)

-Descreva o que está vendo.

-Descreva o local.

-Descreva as pessoas.

-Reconhece alguém?

-O que você está fazendo?

-Onde você está?

-Está frio? Está calor? Como é o local?

-Como você está vestida? Como as pessoas estão vestidas?

- O que está acontecendo?

No início, tudo é meio confuso até a gente se habituar como as regressões funcionam. Para umas pessoas é mais fácil, para outras não.
No início as imagens podem parecer confusas, mas insistindo e mentalizando, se concentrando, aos poucos as formas vão se definindo.
Antes da sessão, você pode acender uma vela para o seu Anjo da Guarda para que ele te ajude a você ver o que deseja.


É muito importante observar tudo, anotar tudo. Eu gosto muito de observar as roupas. Pelas roupas conseguimos descobrir a época e a região aproximada. Nomes de países são difíceis, pois eles mudam de nome constantemente, principalmente regiões que sofreram conflitos nos últimos séculos.

Meu amigo Xamã diz que as regressões são como andar de bicicleta. No início a gente precisa de ajuda, um empurrãozinho. Mas depois, conseguimos fazer sozinhos.

As regressões são experiências fantásticas, mas devem ser feitas com parcimonia e precaução.
Ficamos exaustos ao voltar ao passado e destrinchar nossas vidas.
Mas é um crescimento e um auto-conhecimento memorável!
Crescemos muito e aprendemos muito sobre nós mesmos.
Depois que você fizer a regressão com sucesso com seu colega umas três ou quatro vezes, você já poderá tentar fazer a experiência sozinho.

Só não se esqueça de anotar tudo e de dar um "endereço" ou seja, direcionar suas visões para o que você quer ver na regressão.
Sempre energize seu corpo e seus chacras, antes e depois das visões.

Esta é uma tabelinha simples que fiz para mapear as minhas experiências.
É tipo um resumão da trajetória espiritual.
É uma forma interessante de se observar!
Bem, então aí estão as dicas, espero que gostem!!

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Andarilho


O Andarilho

O Grande Espírito veio até mim no Plano Espiritual.
Ele me carregou em suas garras até o oriente, então me soltou em meio a neve branca.
O Grande Espírito veio na forma de uma grande coruja escura com o rosto branco. Permaneceu em silêncio, me fitando do alto do galho de uma árvore.

- Grande Espírito – disse-lhe prestando reverência – sou profundamente grato por sua presença, embora seja indigno dela, mas ainda não entendo o motivo de estarmos aqui.

- Apenas observe jovem Xamã. Porém não interfira, o que verá não pode ser mudado. Explicou a sábia ave do alto de seu galho.

Então seus profundos olhos negros mudaram de direção e eu os acompanhei. Vi uma pequena vila japonesa, de onde ecoavam gritos , barulho de tropas, fumaça.

Soldados, samurais. Assim como eu fui um dia. Um ataque Samurai a um Templo Japonês. Os monges estavam sendo massacrados sem piedade.

As pessoas estavam amontoadas no pátio da vila, jogadas no chão, sendo espancadas, estocadas com lanças e espadas. Os gritos, o horror , o sangue em seus rostos.

No meio das pessoas atacadas permanecia um grupo de monges em silêncio mesmo quando agredidos. São insultados, mutilados, cuspidos. Apesar das agressões, se mantém firmes.

Por fim, entre as labaredas, sangue e gritos agonizantes, outro monge surge com o rosto em pânico e corre na direção de um dos Samurais que comanda o ataque. Ele gesticula, chora, fala, se ajoelha. O Samurai ri dele com desprezo e o enxota como um cão sarnento.



O Samurai por fim grita uma ordem, e um dos monges é arrastado para o meio do pátio. Um jovem monge, deve ter menos de 18 anos, apenas um garoto, e assim será para sempre, pois o jovem monge é trespassado por uma espada. Sangue brota de sua boca e peito. Por fim cai morto.

O monge que acompanha o samurai grita, corre em direção ao jovem morto. O olhar de pânico dá lugar a dor, gritos, lágrimas. O monge aperta o corpo inerte do jovem morimbundo.

Alheios a isso, os samurais apenas riem, então começam a matar a todos, deixando vivo apenas aquele monge, agarrado a um corpo sem vida.

O líder samurai ser aproxima do monge que fora poupado, joga-lhe umas moedas no seu rosto que caem no chão sem sentido. Mais insultos.

O monge, em um momento de loucura e fúria agarra-se a perna do samurai. Tenta derrubá-lo, mas como não consegue é chutado, espancado. O chefe do exército Samurai impede que o matem. Cospe no corpo ferido do monge, em seguida urina sobre ele.

Enfim, começam a atear fogo na vila e vão todos embora, deixando apenas um homem vivo. O monge que entregou seus amigos, sua família e sua vida em troca de umas poucas moedas.


Eu observava uma cena que já havia acontecido à algumas centenas de anos. Embora eu não tenha parte nessa história, as guerras japonesas sempre foram muito cruéis e sanguinárias. Eu já fiz parte disso.

A neve branca foi consumida por um rio vermelho de sangue, mesmo assim não consegui me mover. Mil coisas passaram em minha cabeça, lembrei-me dos tempos de guerra, dos atos indescritíveis, vergonhosos, mas me sentia incapaz de pronunciar isso ao Grande Espírito, embora soubesse que ele era capaz de ler meus pensamentos.

- O nome dele não importa mais - disse o Grande Espírito se referindo ao Monge sobrevivente - ele viveu até os 86 anos. Aquele jovem que foi morto na sua frente era o seu filho, e os demais monges eram seus irmãos. Ele traiu a todos, por cobiça e medo da morte. Foi condenado em vida a vagar só, com a lembrança de sua traição. Quando morreu foi proibido de ver seu filho e irmãos.

O líder do seu Templo o condenou a vagar pela Terra como um espírito andarilho, e ajudar a quem pudesse. Ele jamais pode parar. Ele jamais pode deixar de ajudar a alguém, nem deixar de responder a uma pergunta que saiba a resposta. Após ajudar certo número de pessoas, ele deverá voltar no ano do cão aonde tudo começou, e pedirá perdão pelos seus erros.

Antes que pudesse perguntar o motivo de eu estar lá, o Grande Espírito respondeu:

- Sua amiga Mulher Gavião procura respostas no Oriente, conforme o Grande Pai disse a ela. O monge poderá ajudá-la nisso.

- Mas como ela falará com o monge, Grande Espírito? -Perguntei.


- Ela não terá com ele Xamã, mas você sim. Use os dons que o Grande Pai concedeu a você.

Ajoelhei-me mais uma vez em reverência e gratidão.

- Sou profundamente grato por sua sabedoria Grande Espírito, embora seja indigno dela.Repeti.

- Minha sabedoria se estende a quem tem ouvidos preparados para escutá-la, agora - disse dando um salto do galho aonde estava - devemos partir.

E com um espetacular bater de asas negras ,tudo ficou escuro, então despertei do meu sonho. Acordei com as imagens frescas e sabendo que deveria ter com o Andarilho.

Certo dia, no Mundo Espiritual.

Sento no chão próximo a minha aldeia, e peço em uma oração silenciosa, sabedoria para buscar o que desejo, ver o que é preciso.

Pego um pouco da terra e jogo ao vento, para que assim como ela eu seja levado por ele e consiga ir para o caminho certo.

Me concentro, mentalizo o antigo monge japonês, e segue-se uma luz. Sou jogado aos céus, estou em companhia do Grande Espírito do céu. Sinto meus braços se transformando em asas, me torno uma ave.

Voando, observo de longe o monge amaldiçoado que sobreviveu ao massacre no Japão. Vejo-o andar por vários caminhos, e então começo a entendê-lo melhor.

Ele vaga pelo mundo todo, sem nunca parar, sem nunca descansar.



Embora uma pessoa física e normal não o enxergue, ele anda como se fosse um encarnado. Apesar dele ser espírito, não se move como tal (ou talvez lhe seja proibido, não sei) só sei ele que saiu do Japão de barco, e chegou do outro lado do Atlântico viajando como uma pessoa comum. Tem hábitos de uma pessoa viva. Age como se precisasse dormir, comer e descansar de uma caminhada. Talvez continuar a sofrer as agruras físicas façam parte do seu castigo.

E agora eu o vejo caminhando.

O trecho por onde passa me é familiar. O conheço na vida física. Então fica claro do porquê fui procurado pelo Grande Espírito para ver o começo da jornada do Monge.

Sinto que preciso acordar.

Agradeço em pensamento mais uma vez pela ajuda do Grande Espírito, então vôo rapidamente para outro lado, aonde reconheço de cima a casa de Mulher Gavião. Faço um mergulho profundo na casa em direção ao meu corpo mortal.

Acordo.

Me levanto assustado, não lembro de nada, só sei que devo me levantar.

Ainda não entendo bem a situação, preciso sair de lá, quero sair sem fazer barulho, mas Mulher Gavião percebe minha agitação. Ela diz algo mas não presto atenção, na verdade nem entendo. Saio, ponho meus sapatos e vou para a estrada caminhar.

O dia ainda está nascendo, somente quando o sol fica mais alto percebo que já estou caminhando faz um tempo. Me irrito, praguejo e tomo o caminho de volta pra casa.

Após alguns minutos voltando para casa vejo um homem japonês, imundo, com um saco amarrado nas costas e um pedaço de pau na mão, caminhado na direção contrária, vindo ao meu encontro.

Não estou com saco para conversas e tento ignorá-lo. Acelero o passo e quando estou próximo a ele o vejo abaixar a cabeça. Pensei ser um sinal de respeito e já ia desejar-lhe um bom dia mas ele diz:

- Renuncie a este mundo sujo e junte-se a Terra Pura.

Apesar de entender as palavras não entendo o sentido.

- O quê? –perguntei.

Seus olhos se arregalaram, virou-se em minha direção, pegou em meus braços. Me assustei com sua inesperada atitude e já estava pensando em chutá-lo ou coisa parecida para que me soltasse, mas antes disso me libertou e ajoelhou-se:

- Você me vê! - Você me vê! Disse exultante.

“Andarilhos, são todos malucos.” - Pensei.

- Em que posso ajudá-lo?!-Dizia ele com olhar alegre em um rosto sujo.- Qualquer coisa! Basta perguntar e se eu souber a resposta lhe direi imediatamente.

- Você é louco?

- Não! Não! Apenas estou feliz!

- Sei. Bom, passar bem!

E o deixei no chão ajoelhado. Mas ao me virar percebi que se levantara e pôs a mão no meu ombro.

- Por favor!-Insistiu.

E quando olhei para ele seu olhar era sério.

- Quanto mais eu ajudar alguém mais próximo estarei de casa!Completou o andarilho.

Mesmo a contragosto eu podia sentir o gosto da verdade em suas palavras, havia sentido em sua loucura. Sua mão permanecia em meu ombro e quando a toquei senti um frio repentino, e ao mesmo tempo um turbilhão de memórias do andarilho preencheram minha cabeça, para em seguida escaparem de novo, como uma bexiga furada esvaziando-se rapidamente.

- Yuji.-disse-lhe - Seu nome é Yuji S...

- Meu nome não é mais meu, só o terei de volta quando for a hora. Até lá não tenho nada a não ser minha roupa do corpo e essas coisas que trago comigo.

Me passou pela cabeça que ele tinha hábitos dos vivos.

- Está com fome, frio?

Mais uma vez um sorriso no rosto.

- Queria um cigarro, tem aí?

Estranhei a pergunta de início, mas depois de séculos vagando pelo mundo é bem aceitável adquirir hábitos contrários aos de um monge. E na verdade ele não era mais um monge a muito tempo.
Poderia levá-lo até a casa de Mulher Gavião mas não queria expô-la naquela situação, e também não sabia como as defesas da casa reagiriam contra ele nem as entidades que habitam lá. Na dúvida, era melhor mantê-lo aonde estava.

- Daqui uns minutos eu volto, você me espera?Indaguei.

- Eu preciso de você, claro que espero! Ah sim, se puder trazer um incenso também seria ótimo!

Volto pra casa, peço a Mulher Gavião incenso e cigarros. Ela me entrega os dois e mais uma caixa de fósforos sem questionar. Agradeço e volto correndo para a estrada. Ele ainda me espera, agora debaixo de uma árvore.

- Estava quente!-Explicou-me sentado na sombra.

Acendi o cigarro e incenso e os dei para ele.

- Então, se puder fazer algo por você. Tem alguma dúvida?Perguntou o andarilho.

- Tenho dúvidas se você é um demônio querendo negociar.Confessei.

Seu rosto não se alterou.

-Afinal- continuei- o que um japonês estaria fazendo aqui? Tão longe de casa?

- Você é uma raposa não? Uma raposa demônio de nove caudas! Há! Já vi você vagando por aí! Claro que sem uma explicação você não me perguntará nada! Pois bem! Aqui, neste país ! Você sabe quantas pessoas podem me ver? Sabe quantos centros espirituais eu posso rondar em troca da minha liberdade? Milhões de vezes mais do que se ficasse no Japão! Eu andei pelo mundo todo e garanto que esperando lá eu nunca conseguiria me livrar do meu castigo! Quando os europeus chegaram, quis vê-los de perto. Escutei suas histórias sobre pessoas que liam as mãos e faziam adivinhação com papeis! Se fosse verdade aquilo então porquê não iria atrás dessa gente? Quem sabe eles não iriam me ver também? Então entrei no barco dos europeus e vago pelo mundo desde então! Se não acredita em mim me deixe ir embora!

Ficamos em silêncio por alguns instantes. Uma coruja surgiu sob um toco de madeira, me olhou profundamente como se esperasse que eu falasse, e por um segundo jurei que esperava escutar uma pergunta minha.

- Estou à procura de respostas para resolver algo que começou no Japão e continua até hoje aqui. Digamos que seja uma questão familiar. Disseram-me que a resposta está no Japão, mas exatamente o quê eu devo procurar lá?


Risos.

- Isso é muito importante para você?-Indagou-me.

- Sim.

- O que você espera disso tudo?

- Que se resolva, ou que se exploda de uma vez, tudo se resolve uma hora, por bem ou por mal. Agora vai me responder ou não?

Seu rosto ficou sério novamente, então voltou a falar:

- A raposa é capaz de amar mas continua sendo uma raposa! Pois bem! Eu jurei que estava zombando de mim, mas sei que é uma pergunta séria. Vocês estão no caminho certo, mas estão esquecendo dos detalhes. A resposta está nos detalhes. Nos detalhes! Procure nos detalhes! Lá estará a resposta que procuram.

- Detalhes?

- Isso eu não sei, apenas compreendo é que nos detalhes estarão as respostas.

- Tem algo a mais para me dizer?

- Só sei disso.

- Então obrigado, boa sorte e adeus.

- Espere! -Gritou- Por favor, quem lhe pede um favor agora sou eu embora não tenha nada a lhe oferecer.

Um caminhão estava vindo em nossa direção. Me afastei da estrada mas o monge continuou de joelhos. O caminhão o atravessou, e após a poeira se abaixar o vi novamente. Estava lá esperando minha resposta.

- Está bem, o que você quer?Perguntei já meio desconfiado.

- Na minha infância-disse- havia muitas lendas sobre a raposa-demônio, sobre como ela brincava com os homens, como usava os seus truques de raposa para trapacear e se divertir as custas dos humanos.

Ia interrompê-lo, pedir que parasse de rodeios, então ele disparou:

- Meu filho está longe de mim, está junto dos monges que morreram pela minha traição, nem seu nome eu posso pronunciar mais. Sabe o que é ficar séculos sem ver seu filho? Sem sequer pode falar o nome dele? Eu só queria que ele soubesse que eu sinto muito pelo que fiz, e anseio em vê-lo novamente um dia, por mais que tema que ele não me perdoe, que me odeie eu queria que ele soubesse como me sinto. Diga a ele que eu ainda me importo muito com ele. Eu sei que você tem o dom de abrir portais e ir para qualquer lugar. Por favor, eu lhe peço.

Então me lembrei do meu pai, longe de mim como sempre esteve, lembrei do dia em que nos vimos de novo, e ele me perguntou se eu o odiava.

- Se não sei nem o nome dele como achá-lo?

- Em seus sonhos, ele é o mais jovem do grupo assassinado.

E as palavras dele me lembravam vagamente de algo.

- Não sei se me deixarão falar com ele a respeito de uma mensagem sua.

- Confio em seus dons de raposa.

Queria por fim aquela conversa, dois loucos em uma estrada poeirenta, aquilo era ridículo.

- Certo, farei isso, algo mais?

- Não, obrigado.- disse curvando-se e se afastando respeitosamente.

Apontei para uma direção.

- Ali- Indiquei- é uma cidade repleta de espíritas, umbandistas etc, será fácil verem você lá. Adeus e boa sorte.

E o monge andarilho saiu na direção apontada e eu voltei para casa.

O dia ainda estava nascendo mas já sabia que no outro plano, eu tinha uma promessa a cumprir.

Aqui se faz, aqui se paga.
Um monge traiu todo o seu povo em troca de moedas e estatus. Pela sua ganância, todos pereceram de forma cruel, inclusive o seu filho. Para pagar, ele deve caminhar pelo mundo, ajudando o máximo de pessoas e espíritos.
Um dia, depois de ter ajudado o máximo de pessoas, então ele poderá retornar para sua terra e rever seus entes queridos.