quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O que se leva da vida?


Minha mãe era uma mulher bem mesquinha.
Tinha suas qualidade e defeitos como todos nós. Mas seu defeito mais grave era o "excesso" de economia que dominavam as suas atitudes.
Trabalhava muito, ganhava bem, mas sempre alegava que estávamos sem dinheiro, que não podíamos fazer nem isso ou aquilo por que não éramos ricos. Guardava todo o dinheiro na poupança e nunca contava para ninguém quanto tinha.
Fazia segredo de tudo, a família nunca sabia quanto ela ganhava, gastava ou guardava. E ela ainda controlava o dinheiro do meu pai.
Mesmo na adolescência, quando eu precisava de roupas para ir à escola, respondía-me que eu deveria trabalhar, ganhar meu dinheiro e então ai comprar as roupas. Nesse ponto ela era muito cruel. Eu não pedia nada demais.Mas qualquer pedido já era muito para ela.
Para mim era muito frustrante por que nem se eu quisesse poderia trabalhar, não tinha nem idade ou experiência.
Ela não poupava ninguém e as empregadas praticamente passavam fome, pois quase não podiam comer direito.
Era muito feio, e eu me envergonhava disso. Mas como filha, jovem e dependente, as brigas não iam a lugar nenhum e ela ficava mais mesquinha ainda. Se eu pedisse um real sequer, o interrogatório era tanto, que eu até desistia. Exagero demais.
Morávamos em uma boa casa e eu estudava em bons colégios. Mas a casa estava sempre feia, porque ela não admitia gastar na manutenção de uma casa alugada. Eu ia para o colégio com roupas velhas e gastas, porque na cabeça dela, somente ela que trabalhava fora, necessitava de roupas boas para poder trabalhar.
Sinceramente, eu não via a hora de poder me formar, trabalhar e sumir da vista dela. Sumir de seu controle, da sua mesquinharia, dos processos movidos pelas ex-funcionárias. A vida realmente não precisava ser assim.
Me lembro de que qualquer discussão sobre dinheiro, e sempre ela me jogava na cara que com 12 anos já trabalhava e ganhava dinheiro.
Oras, o que uma criança com 1o anos faz depois que escuta isso? Eu pegava o jornal várias vezes para procurar emprego e enfim descobria que na época eu não tinha qualificação nem para faxineira. Acho que nenhuma criatura precisa passar por esse tipo de humilhação. Mas eu passei. Sem necessidade, pois ambos meus pais trabalhavam e viviamos em condições razoáveis.
Mas, como o destino nos prega peças, quando eu estava concluindo a interminável faculdade, minha mãe adoece de uma misteriosa doença :
ELA.
ELA, Esclerose Lateral Amiotrófica, é uma doença neural, degenerativa, que enfraquece os nervos do corpo lentamente, fazendo a pessoa perder todos os movimentos do corpo gradativamente. Até o óbito. O doente continua lúcido durante toda a fase da doença, inclusive terminal.
Não tem cura, nem tratamento paliativo. Fisioterapia, Riluzol (Rilutek), vitaminas, são paliativos para não dizer que não está fazendo nada. Mas nunca resolveu nada no caso da minha mãe.
Ela, ambiciosa e sedenta de dinheiro e poder, havia recentemente passado em um concurso em um Tribunal Federal. Logo seu salário foi subindo, à medida que ela ia conquistando cargos mais importantes.
Mas o seu comportamento em relação ao dinheiro piorou. Agora a desculpa era a doença:
- O dinheiro é meu, eu que ganhei.Vou usar para me curar. Eu sou a prioridade.


Ninguém ia discutir isso, ainda mais com ela. Mas eu sempre tive a impressão que ela se esquecia que tinha uma família. Nós tinhamos a obrigação de cuidar dela e ela era a prioridade da casa. Ela repetia esse mantra diariamente. O resto que se dane.
Então, meu sonho de estudar fora, viajar, conquistar o mundo, fora pelo ralo abaixo. Meu pai adoecera também e partiu. Minha irmã estudava fora e viajou para a Europa. Eu fiquei.
Fiquei resignada e arrasada.Pois além de ser uma doença muito sofrida, o doente fica muito dependente. Para comer, vestir, dormir e virar na cama, alguém tem que ficar o tempo todo com ela. Eu tinha que trabalhar, ganhava pouco, mas como o dinheiro dela , era só dela, eu temia por ela falecer e eu ficar sem nada, pois eu não teria direito a pensão.
Praticamente abri mão da minha vida para cuidar dela. E todo dia eu ouvia reclamações, insultos, e acusações de roubos. Que eu a roubava, que a empregada a roubava, que eu a tinha deixado doente. Enfim.
Chega um ponto que a gente conclui que só ta lá para pagar o CARMA mesmo.
Sangue é CARMA.
Não a amava, não a admirava. Não podia abandoná-la, pois não havia mais ninguém. Fiquei firme apesar dos insultos, dos golpes, das suas traquinagens. Quando eu ia trabalhar ou resolver os problemas da casa, minha mãe armava planos maquiavélicos.
Não me contava nada até eu receber a bomba. Daí, depois, quando tudo dava errado para o lado dela, óbvio, eu ia lá e ainda tinha que recolher os cacos, os remédios, o que sobrava dela.
Cada vez que ela aprontava, a doença dava um pulo. Avançava. Eu avisava a ela, explicava. Ela dizia que sabia de tudo , que ela que tava certa e eu que era a problemática.
Pois bem, pro inferno então.
Inferno.
Viver com essa mulher 30 anos da minha vida terrena era realmente um inferno.Uma prisão. Até que ela inventou uma viagem com minha irmã às escondidas. Por que eu seria contra, ela estava debilitada demais. Mas esfregou na minha cara, o mesmo mote de sempre:

-Vou para a Espanha, lá tem locais onde vão cuidar muito melhor de mim, vou gastar o MEU DINHEIRO com isso, afinal, o dinheiro é MEU e eu sou a doente, a prioridade é minha.Você nunca cuidou de mim direito, vive fora de casa e de mal humor.
Dois dias depois da viagem ela voltou.
Um lixo humano. A longa viagem de avião de ida e volta, a peregrinação por clínicas, etc. haviam exaurido o seu já enfraqucido corpo. Minha irmã volta serelepe para a europa e minha mãe quase que vai direto para a UTI.
Ficou um mês na UTI. Não me esqueço dos seus últimos dias na UTI, com uma traqueostomia na garganta e respirando com a ajuda de aparelhos, me ordenando que a tirasse dali. Queria ir para casa ver tv e tomar sopa. Não queria ficar mas nem um dia naquele local. Eu que rebolasse para dar um jeito.
Era uma ordem.Eu ficava sem rumo, sem resposta, sem nada. Naquela noite ela finalmente partiu.
Com o resto de dinheiro que sobrou, paguei as empregadas, enfermeiras, devolvi o balão de oxigênio e a cama hospitalar que tinha em casa.

Minha mãe tinha um closet abarrotado de roupas e sapatos. Nunca dera nada. Nem um chinelo velho. Eu queria desocupar tudo o mais breve possível para poder alugar o imóvel e engordar um pouco a minha renda. Liguei para umas amigas espíritas que prontamente receberiam as roupas e calçados e os enviariam a abrigos de idosos. Na mesma semana que ela faleceu, doei suas roupas, seus milhões de sapatos e sua cadeira de rodas. Tudo para a caridade. Isso já tem uns 6 anos.
Outro dia, conversando sobre o filme "Nosso Lar", meus amigos espirituais comentaram da minha mãe, da sua da arrogância, da mesquinharia.


-Sua mãe ficou doente por causa dela mesma. Ela sempre rezava pedindo dinheiro, poder. Fazia entregas à Iansã, que é a Orixá dos negócios para pedir mais dinheiro, mais coisas. Mas o dinheiro que ela recebia ela guardava para si. Não ajudava ninguém, nem sua própria família. Sua mãe nunca lembrava de agradecer à Iansã. Só reclamava. E nunca fez caridade. Isso é muito grave. Iansã ficou muito brava com ela. Quando a doença veio, nenhuma entidade cortou o mal. Deixaram a doença evoluir para ela aprender.Mas infelizmente sua mãe nunca aprendeu em vida a ser mais desapegada da matéria. Quando a pessoa é boa e gosta de ajudar os outros, os Orixás e seus protetores ajudam a cortar o mal. Os orixás não deixam ninguém rico, mas se vc sempre agradar eles com oferendas e caridade, eles nunca te deixam desamparado.

Depois de tanto tempo, finalmente eu tinha entendido o porquê daquele sofrimento todo.Ela nunca conseguiu aproveitar o dinheiro que tinha ganho.Só gastou com médicos, remédios, tratamentos que nunca funcionaram, empregados e enfermeiros. Não sobrou nada!Não conseguiu viajar, nem curtir a vida direito. E nas poucas vezes em que saíamos, reclamava de tudo e dava chiliques frequentes. Mas era uma prisão em vida. Um castigo.


Segundo relatos, quando minha mãe chegou no Mundo Espiritual, ela foi tratada por um jovem médico, que havia sido soldado enfermeiro na 2° Guerra Mundial e havia morrido novo, preservando seu aspecto jovial da sua última vida. Ela achava simplesmente um absurdo que aquele 'rapazinho" estivesse cuidando dela. Logo ela, que era mais velha, mais sabida, mais vivida e experiente. Ela reclamava tanto dele, que um dia falou com o chefe dele, um senhor mais velho:

-Ah, até que enfim alguém para resolver isso, é um absurdo esse rapaz tão novo ficar cuidando de mim, ele não me deixa fazer nada.

O chefe do Hospital Espiritual explicou então que Rodrigo, o guia dela, havia morrido na 2° grande guerra e que já estava desencarnado a cerca de 70 anos. Que ela não se enganasse com a sua aparência jovem e que ele era o mais indicado para cuidar dela. Ela ficou muito brava mas engoliu em seco.

E depois, eu soube que ela reclamava de mim, quando chegou lá:
-Um absurdo, um absurdo!! Dizia minha mãe para os guias e outros recém desencarnados:
-Uma filha me abandona e a que fica comigo, pega e dá todas as minhas coisas, meus móveis, minhas roupas, meus sapatos..Meus sapatos!!!!

Uma das desencarnadas elogiou minha atitude:
-Que bom, doou para a caridade? Que coisa boa, que exemplo de desapego...

-Mas ela não podia ter feito isso, esbravejou minha mãe: -Eram minhas coisas!Minhas!!!!

-Mas dona Maria..., a senhora não está mais viva, não mora mais naquele plano terreno. Aquelas coisas não iam lhe servir mais....Disse Rodrigo, o guia da minha mãe, tentando fazê-la entender do absurdo da situação.

-Mas são minhas coisas. Minha filha não tinha esse direito!Não tinha!!!Eu ia buscar minhas coisas, mas ela deu tudo, tudo!!!!

-Mas Maria, você ia buscar COMO????

- Ha..Não sei ..Eu podia pegar um táxi e ir lá buscar. Mas ela deu tudo!!!

-Não Maria.Não dá para a senhora pegar um táxi e ir na sua antiga casa pegar as suas coisas. Você tem que aprender a não ser tão materialista. Foi por causa disso que a senhora ficou tão doente. E encerrou o assunto.

Enfim, então soube que ao invés de reconhecer que eu fui a única que ficou do lado dela até o fim, não, ela me xinga até do outro lado da vida, para reclamar de umas roupas e sapatos velhos. Sinceramente, não quero mais ser filha dessa mulher nem daqui a 2000 anos. Ninguém merece.

Mas esse apego exagerado realmente é muito comum. Vivemos em um mundo terreno onde a matéria é barganha. Precisamos de dinheiro para comer, viver, precisamos de carro para andar, trabalhar, etc. Mas têm que ter um olho vivo nisso, deve haver um limite.
Procure sempre doar roupas que vc não usa mais, sapatos e móveis para quem precisa. Eu recomendo doar para pessoas próximas, que vc sabe que estão com dificuldades. Acho que ajuda muito mais do que simplesmente entregar uma trouxa de roupas em uma porta qualquer. Procure se orientar e se infomar de creches e asilos próximos a você e quais são os ítens mais necessários. Se vc puder, faça uma doação mensal.
O trabalho voluntário também é uma forma de caridade. Ajudar aos outros em hospitais, ou em centros especializados é muito bom e fazem bem para a alma. Sempre ajude e faça caridade. Sempre.

Barack Obama, dando exemplo de voluntariado nos EUA

Outro dia, ajudei uma amiga a fazer a sua mudança. Zilhões de roupas e sapatos.
-Mas criatura, vc usa realmente isso tudo?Perguntei.

-É meu, é tudo meu.Uso Tudo. Disse ela, resumindo secamente.

-Impossível, repliquei. Separe uma parte e doe um pouco.

Me olhou estarrecida.

-Fulana, a gente não leva nada deste mundo. A gente leva experiências, aprendizados, conhecimento, amigos, momentos felizes. Mas não levamos nem carro, sapato, roupas. Saímos deste mundo como entramos: Sem nada. Nú.

Sabe qual foi a resposta dela??

-Mas era por isso que os Egípcios tinham gavetas em seus caixões....Para levar as roupas e jóias para o outro mundo...

Afs...mais uma que vai dar trabalho para desencarnar...

Zilda Arns, um belíssimo exemplo de vida e de ajuda ao próximo.

Um comentário:

  1. Realmente.. no final dei risada.. rs
    Achei seu blog por acaso ( claro que ´por acaso´nao existe) enfim... achei bem interessante.
    Eu tbm estava assim, comecei a fazer estágio, ganhava bem por ser um estágio.. ai comprava de tudo, sapatos, roupas, perfumes, maquiagens... aí terminei meu estágio, consequentemente acabou o dinheiro tbm.. e meu pai é um grosso, seco, frio e só sabe me tratar mal, me responde mal e só sabe gritar cmg.. eu fico muito triste, com vontade de fugir de casa... se eu tivesse pra onde ir nem pensava.. mas.. aí eu parei pra pensar, comprei tudo, coisas inúteis que nao preciso, fazia estoques de cremes e perfumes, quando sair de casa nao vai ter mala que chegue.. no final acabo ficando com pena de usar, resultado: vao pro lixo..ficam velhos e com cheiro de xixi de gato. Isso foi bom pra mim, pq dei uma evoluída de que nao preciso de tudo isso.. um já basta.

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