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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Resgate do Terceiro Filho

O meu Totem animal é um grande Tigre Negro.
Eu o convoco para lutar e me defender no mundo físico e espiritual.
O Totem de meu marido, Gavião Negro, é um Tigre Branco.
O descobri acidentalmente ao convocar meu Tigre Negro nas lutas de esgrima.
Quando lutamos entre nós dois, ninguém vence, praticamente anulamos nossos golpes.
Quando juntos, entramos em sintonia e em equilíbrio, como o Yin e o Yang.
Unidos, somos muito poderosos e podemos enfrentar qualquer coisa que ouse se atravessar em nosso caminho.

A família Tigre fica completa quando nossos filhos Menino Gavião (tigrinho branco) e Menino Falcão (tigrinho negro) se juntam a nós.
Mas sempre que procuramos ver pela terceira visão ou no plano astral nossos Totens Tigres brincando na neve, sempre temos 3 filhotes: um branco, um negro e um laranja (o único "normal" da família).


O tigrinho laranja brinca ativamente com seus irmãos e juntos formamos uma grande família. Apesar que na natureza o macho/pai não desfruta da companhia da fêmea/mãe e dos filhos, nossos totens formam uma grande família unida e guerreira.

Estamos sempre correndo na neve, brincando e caçando. Haja caça para sustentar essas boquinhas!!!
Marido adora brincar com os filhos, mas como eles já estão bem crescidos e fortes, três contra um é sempre meio barra-pesada.

-Eles estão uns trogloditas! Pulam em cima de mim como páraquedas! Choraminga o marido.

-O que vc queria? Filhos magros, raquíticos e apáticos??? Questiono o marido sobre seus reclames.

-Não esposinha, não é isso, eles estão lindos, mas fortes demais. Me derrubam, me mordem, caem de dois a três em cima de mim de uma vez! Explica o pobre marido tigre, sacudido diariamente pelos seus três filinhos tigrinhos.

Mas um dia, conversando com Menino Gavião que ainda vive no Mundo Espiritual, perguntei sobre o terceiro filho:

-Quem é o tigrinho laranja?Perguntei curiosa, já que somente dois meninos me haviam sido apresentados para encarnar como meus filhos nesta vida.

-É o John Logan mãe. Nosso irmãozinho perdido.

John Logan.
John Logan era o nome do meu terceiro filho, que eu havia planejado à alguns anos atrás. Mas depois que os dois meninos começaram a me ver e conversar comigo, achei que não existiria 3° filho e deixei para lá, já que a minha idade meio avançada, não me ajudava a planejar uma família muito numerosa.
Nesta minha vida terrena, tive que andar por caminhos muito tortuosos e só recentemente encontrei meu amor do passado, Gavião Negro.
E ainda assim, o caminho até ele não fora nada fácil. Assim, eu meio que estou no meu limite reprodutivo. Dois meninos estariam garantidos.
Queria poder ganhar tempo e fólego para um terceiro filho, quando os dois primeiros já estivessem maiores e independentes. Mas com tanto percalço de inimigos, magias, macumbas e outros, acabei deixando essa história para lá.
Com o surgimento dos Totens, me indaguei pelo tigrinho laranja. O terceiro filho estava lá!

-Onde está o John Logan? Porquê ele ainda não veio me ver, perguntei ao Menino Gavião.

-Ele está em tratamento. Sofreu demais na sua última vida. Morreu na rua, drogado e abandonado.
Então meus pensamentos me levaram a um experiência nada legal de uns pseudo-guias há uns 20 anos atrás desta vida física. Era em uma época onde eu atuava no IIPC e trabalhava minhas técnicas de projeção astral, de descobrimentos dos amparadores espirituais, guias espirituais, energização e estava começando a descobrir as vidas passadas.

Em uma projeção astral lúcida, uma Guia Espiritual me mostrava em uma grande tela, eu como mulher em uma vida passada, chorando e sofrendo pela morte de um filho menino de aproximadamente 4 anos. Ele morrera de alguma moléstia, causada provavelmente pela medicina precária e pelo excesso de pestes da época. Instantânemente todo o sentimento de sofrimento, dor e desespero pela morte precoce do filho que senti naquela época veio e tomou meu coração. Era um resgate de vida passada duro, doloroso, e ainda
hoje me questiono se aquilo tudo foi realmente necessário.

E para piorar toda a história, a Guia (pseudo-guia na minha opinião) me informa que nesta vida, esse meu filho era menino de rua. Logo me mostrou a visão de um adolescente muito magro, sujo, andando na rua com outros mendigos e desabrigados, descalço e com uma caixa de engraxate nas costas.

Depois de todo esse estrago, a Guia se vai e me deixa com esse pepino na mão.

O que fazer com essas informações? Busco descabeladamente esse filho de outra vida? Mas nesta vida eu não tenho vínculos com ele?

O que fazer? Será que eu o encontro? Onde? Como...

Perguntas de todos os tipos e que todas ficaram sem respostas até hoje. E eu fiquei com o coração partido e sofrido.

Não bastava apenas me mostrar a dor de ter perdido um filho em outra vida. Tinha que mostrar também que ele sofria nesta vida de abandono, fome, frio, violência nas ruas, drogas e o crack.
Fiquei triste e angustiada por um bom tempo.
Embora meus olhos sempre varressem os locais onde os meninos de rua ficavam, nunca o encontrei.


Independente desse "experiência amarga", sempre havia praticado a caridade, e nunca havia feito nenhum aborto ou coisa parecida. Estava estudando e entrando para a faculdade.
Realmente, foi um experiência desnecessária, que só me trouxe dor e nenhum sentido para ela.


Gosto muito de fazer regressão de vidas passadas, mas com objetivos claros e quando a gente QUER VER UM FATO ESPECÍFICO. As regressões são excelentes formas de auto-conhecimento e entendimento. Mas na experiência relatada acima, eu em nenhum momento pedi para ver algo dessa natureza, e essa Guia Espiritual veio até mim de forma espontânea.
Conversei com Menino Gavião sobre isso, e ele também não entendeu o propósito da coisa.

Pedi para ele ver esse meu filho perdido e me trouxesse notícias. E assim ele o fez.

-Mãe, conheci o José Henrique, anunciou Menino Gavião.

-Quem? Perguntei.


-O John Logan. Chamam ele de José Henrique, acho que era o nome dele da última vida.

E então, Menino Gavião me contou a triste história do meu tigrinho laranja:

"- Ele fora abandonado pela mãe muito cedo. Não conheceu o pai. Família desestruturada, não tinha comida em casa. Só bebida, drogas e violência. Logo ele foi para as ruas tentar sobreviver. Sua mãe daquela vida também morreu precocemente, causado pelas drogas, fome, alcoolismo, prostituição e o crack.

José Henrique era mais um em um bando de meninos descalços, desnutridos e perdidos na rua. Trabalhava um pouco como engraxate, mas como hoje a maioria das pessoas usam sandálias, tênis, e outros tipos de calçados, então ganhava muito pouco com esse bico.
Mendigava muito e quando tinha oportunidade, roubava para comer ou usar drogas. As drogas são muito comuns nas ruas e consomem a vida dessas pessoas sem futuro, sem presente, sem passado.


Ele usava o que aparecia: álcool, maconha, cola. Mas o que era mais barato e rápido é o crack. Com o crack, ele mergulhava em um paraíso falso, em um mundo mágico e fugaz.
Assim, ele distraía a fome, a miséria, o abandono, o sofrimento, a dor.

Morria de medo de ir para o CAJE.

Quando ele morreu, ele demorou muito para entender o que havia acontecido com ele.
Assim que morreu, José Henrique entrou em desespero e em pânico. Quem o acolheu e o ajudou foi seu Zé Pelintra. Seu Zé Pelintra ajuda e acolhe os meninos de rua, até que eles estejam prontos para sair das ruas e ir para o tratamento espiritual e recomeçar de novo.
Mas o Demônio do crack não queria libertar José Henrique. Mesmo depois de morto, o Demônio do Crack ainda
reivindicava os direitos sobre sua alma.


Quando os Guias iam para o Limbo tentar resgatá-lo, ele fugia com muito medo, pois ele achava que ainda estava vivo e que queriam levá-lo para o CAJE. Foi muito difícil convencê-lo e infelizmente é muito comum em almas muito sofridas.

Foi graças a um de seus amigos de rua que já havia morrido e se tratado um pouco antes dele, que o conseguiu convencer a acompanhar os Guias, sair das ruas e ir para o tratamento espiritual.

Eu e Menino Falcão fomos vê-lo, mas não nos apresentamos, só o observamos e gostamos dele logo de cara. Sentimos uma empatia forte muito grande.

Ele estava jogando bola com outros meninos. Estava bem e feliz. O Guia dele disse que ele estava se recuperando bem e que ele havia parado de fumar recentemente. Os espíritos recém-desencarnados trazem muitas manias e vícios do passado e José Henrique ainda tinha o vício do fumo e do crack. Para ajudá-lo a superar, incentivavam trocar o cigarro por brincadeiras , doces e passeios.

-Agora ele tem que brincar muito, reaprender a ser criança, a criança que ele não teve oportunidade de ser na última vida. Superar o abandono e outros vícios daquela vida sofrida, explicou o Guia Espiritual que acompanha José Henrique.

Nisso, José Henrique avistou Menino Gavião e Menino Falcão com seus Guias no canto do campo de futebol. Correu até eles e perguntou eufórico se eles iam entrar para jogar também. Meus filhos sorriem para José Henrique mas avisam que não, só estão de passagem. José Henrique então retribui com um afobado sorriso e volta correndo para o campinho.
Pouco depois, ele dá um tempinho no jogo e corre para os braços de uma Guia, que lhe enche de beijos, o elogia e o coloca no colo para niná-lo.

-Esse é o melhor tratamento para ele hoje, completou o Guia: Amor e Carinho. Se tudo continuar correndo bem, talvez em 10 anos, José Henrique possa voltar à Terra para encarnar na família de vocês, explicou o Guia que acompanha o tratamento do menino.
Tudo depende dele, e o que eu posso dizer, é que ele está indo muito bem!!!"

terça-feira, 6 de julho de 2010

Orquídea Negra- Parte 01

Escrito por Xamã.



“E a noite quando o lobo uiva... ouça bem e você poderá me ouvir gritando”
-Ramones, Pet Cemetery

Em algum lugar do Brasil, noite.

Adormeço...
Sinto que não estou mais em meu corpo físico. Absorvo as energias a minha volta, respiro fundo.
Me concentro aonde devo ir: imagino uma luz me envolvendo abaixo de meus pés, caio dentro dela e surjo no céu, alguns metros acima da casa da Mulher Gavião.
Sem me importar que eu esteja caindo, me transformo quase que inconscientemente em um lobo branco, parando em pé de frente a sua casa.
Ponho minha pata esquerda a frente, e mais uma vez, até de repente voltar a ter um pé humano, e outro, voltando a minha forma física.
Passo pelos cães que não notam minha presença, atravesso a porta e me dirijo a seu quarto.
Quando entro, percebo que os gatos me vêem. Erguem a cabeça, dois miam, e a maioria apenas abre de leve os olhos e volta a dormir, como se minha presença não importasse.
De fato já me viram várias vezes fisicamente e espiritualmente, mas nunca deixo de me espantar que em espírito também sou notado por eles e, em meio a felinos com visão espiritual espalhados na tv, cômoda e dividindo a cama com sua dona, os deixo de lado por um minuto e me aproximo dela.
Aproveito que está dormindo para acariciar seus cabelos, e falar com ela de maneira gentil (duas coisas que costumam ser difíceis quando ambos estamos acordados).
- Como você está?-Pergunto.
Então escuto as reclamações de sempre, coisas do dia-dia, até que algo que ela diz chama minha atenção:
- Ando sentindo que Orquídea Negra tem pensado em mim ultimamente. Estou preocupada que ela resolva vir pra cá. Não quero essa mulher aqui, se puder dar uma olhada, por favor.
- Claro, sem problemas, só vou ver se a Pratinha está no escritório.
- Tudo bem, obrigado. A Pratinha não apareceu mais.
Orquídea Negra é a irmã mais nova da Mulher Gavião. Nunca se deram bem, e apesar do Elo Cármico que as obrigou a nascerem na mesma família, após a morte dos pais, Mulher Gavião que havia enterrado sozinha os dois, limitou-se a ter o mínimo de contato com Orquídea Negra.
As últimas notícias que Mulher Gavião tivera de Orquídea Negra, eram de que ela “tentava” praticar Wicca moderna e que estava na Europa. Orquídea tem afinidade pela Inglaterra, mas com a crise na Europa, a xenofobia típica dos ingleses se acirrou e ficou desempregada, para não “roubar empregos” dos ingleses.
Assim, se refugiara recentemente na Espanha, onde as duas herdaram nacionalidade pela mãe. Orquídea Negra torrou sua herança nas suas andanças na Europa e agora desempregada e sem dinheiro, estava vivendo de favores de amigos. Seu desejo era se casar com um inglês, para obter a cidadania inglesa e para isso, estava planejando viajar com o namorado inglês e interesseiro para o Brasil, onde iriam atormentar Mulher Gavião com seus problemas. Mulher Gavião já havia sido alertada sobre essa possibilidade:
-É a velha história da Cigarra e da Formiga. Ela curtiu, gastou, dançou e viajou. Eu fiquei em casa, trabalhando e guardando. O inverno chegou e ela está sem nada. Mas ela vem com uma caneca na mão e uma faca na outra, para me apunhalar. A vida inteira foi isso. Não os quero aqui, concluiu Mulher Gavião para o Xamã.

Orquídea Negra tinha formação em Artes. Não se sabe porque, resolveu bancar a terapeuta wiccana na Europa. Misturava tudo. Como não tinha base e nem conhecimento adequado, seu empirismo causava danos e ofendia as entidades antigas da magia celta.
Para ser bruxo, roupas bonitas e gestos curiosos podem fazer sucesso em uma festa à fantasia, mas para trabalhar com magia de verdade, isso é supérfluo, banal. Orquídea Negra assim, colecionava poucos amigos e muitos inimigos poderosos. Mas com a mente imatura e corrupta, ainda não enxergava os males que vinha fazendo.

Pratinha é a gata cinza com branco da Mulher Gavião, que conversa por telepatia conosco.
Ela também foi a primeira gatinha que se aproximou de mim quando fui para casa de mulher Gavião.
Eu e Pratinha dormimos, comemos e brincávamos juntos.
Enfim, ela é minha gata preferida, e tamanha é a afinidade que temos que depois de um tempo passei a escutar o que ela dizia. Até aí normal (dentro do possível de normalidade), já que gatos podem ver o outro lado, o lado espiritual. Gatos são Portais do outro Mundo naturalmente.
Qual o problema em falar? Porém a Pratinha conversa conosco quando estamos acordados também, e eu entendo tudo.
Levanto da beirada da cama, alimento por uns segundos que ela está dormindo no escritório, mas a esperança some quando abro a porta e não a vejo lá. Resmungo um “merda”, tento me conformar, a minha gata preferida adora sair e caçar, adora ficar sumida por meses e depois voltar.
Ela diz ficar entediada em casa então some mundo afora, e que se dane se estamos com saudades. Nisso sinto algo estranho do lado de fora, fazendo-me esquecer da saudade felina.
Uma das precauções que tomei quando reaprendi a mexer com magia, foi erguer defesas na casa, defesas estas que se tornaram mais fortes ainda quando entidades antigas, bondosas e poderosíssimas começaram a proteger Mulher Gavião e sua casa. Mas daí vem o eterno problema: mesmo sendo forte e segura sempre haverá alguém disposto a transpassá-la, e desta vez não foi diferente: Alguém está tentando passar.
Retorno na forma de lobo, dou um salto para frente, saio para o quintal, me concentro para sentir a energia a minha volta, percebo algo irregular em uma das extremidades da barreira, seguido de um fedor horrível de carniça.
Corro em sua direção, salto diretamente sobre a coisa.
É noite, não consigo ver bem quem ou o que é.
Parecia mais um trapo velho, mas suas mãos ardem, queimam.
Sem pestanejar, abocanho aquilo.
Mordo e rasgo em pedaços, a coisa grita alto. Eu uso mais força, até os gritos pararem e eu sentir sua forma se despedaçar, esvaecendo como fumaça.
Dou um uivo alto, tanto para celebrar minha vitória quanto para demonstrar que estou por perto, um aviso em alto e bom som, mas meu júbilo é interrompido pela visão de um outro lobo.
Uma fêmea cinza, parada alguns metros, me fitando como se estivesse me analisando.
Lúcia, minha amada Lúcia.
- Defesas mágicas para casa - diz ela enquanto caminha na minha direção - gata tagarela, e claro, a primeira coisa que fez foi ver sua amiga e bancar o lobo mau do tamanho de um cavalo contra um pedaço de nada. Eu sempre me pergunto se deveria sentir ciúmes, observou Lúcia, a Loba.
Embora até goste desse tipo de humor seco, sei que há um fundo de verdade no que escuto, há uma ponta de ciúmes que deve ser apenas a ponta de um iceberg enorme. Então enquanto vou ao encontro dela tento desconversar:
-Ah, eu sou homem, tenho complexo natural em relação a tamanho, e o lobo mau nas histórias tinha pelo preto, eu sou branco. Além disso, sou digamos... meio lobisomem. Daí devo me apresentar no tamanho normal. Ah sim, e minha amiga é uma tigresa, casada e com filhos. Minha preocupação é diferente de interesse.


Tocamos-nos, focinho com focinho, cheiro seu pêlo, seu pescoço, me sinto em paz, feliz.
-Agora, deixa isso de lado, quero saber de você, quero matar a saudade de você.
Ela acena com a cabeça e esquece do assunto, andamos um pouco pelo lado de fora da casa, até eu me convencer de que está tudo bem, vejo alguns espíritos aliados e os cumprimento.
Mas ao longe, não quero envolvê-la mais do que já a obrigo a se envolver:
- Lúcia, vamos embora?
- Para onde? Ver sua tribo?
- Depois, primeiro preciso encontrar alguém.
- Sei que vou me arrepender de perguntar, mas quem?
- Uma mulher, Orquídea Negra, irmã da Mulher Gavião.
- Além de ser uma mulher é irmã da sua amiga? Você sabe ser romântico não?
- Me desculpe, mas eu tenho coisas a fazer, se quiser pode ficar na tribo.
- Óbvio que não! Eu vou com você!
-Certo, vai ser rápido, não se preocupe.
-Para onde vamos?
-Espanha.
“Vai ser rápido, não se preocupe.” Se Deus estivesse me escutando nessa hora, provavelmente estaria rindo e eu não teria engolido sete pessoas vivas.
De certo modo eu devia ser grato por não me lembrar dessas coisas quando eu acordo.
“Não te esqueças que eu te dei meu coração”
- Placido Domingo, Core 'ngrato
Espanha, madrugada.


Mais uma vez mentalizo uma luz envolvendo a mim e Lúcia, caímos dentro dessa luz.
Abri um Portal Xamânico e viajamos por dentro dele. Quando o túnel de luz se foi, paramos em frente à Catedral de Santiago de Compostela na Espanha.

Em frente ao magnífico monumento, não víamos ninguém: nem espíritos e nem vivos.
- Eu sempre gostei deste lugar. A catedral é linda, observei.
- Tá, ta bom, vamos atrás de Orquídea Negra e vamos logo pra casa, apressou-se Lúcia.
- Melhor não andarmos por aí como lobos gigantes, podemos chamar muita atenção. Vamos usar uma forma humana, observei.
- Não, eu vou ficar assim, disse Lúcia.
-Tudo bem minha loba amada, eu não sei porque nunca me deixou te ver na forma humana mas seja lá como você for continuarei te amando igual, expliquei a ela.
- Não adiantaria nada meu lobo amado, pois a primeira coisa que você faz é me esquecer quando acorda, observou Lúcia.
-Olha, já discutimos isso, é involuntário da minha parte, ok? Se não quer mostrar sua forma humana eu respeito, mas pelo menos diminua seu tamanho para o de uma loba normal, concluí.
Assumi a forma de um cavaleiro medieval europeu, trajado uma armadura preta e dourada. Lúcia diminuiu seu tamanho para o porte de um lobo normal.
No pátio da igreja onde estávamos não passava ninguém. Queria perguntar por informações, mas nem uma alma penada sequer aparecia.
- Não sabia que os espíritos dormiam a esta hora, observei.
- Claro que não seu bobo, só devemos achar um meio de falar com eles, explicou Lúcia.
- Hum, minha mãe tinha um livro de São Cipriano, onde se descrevia um ritual de ficar dando voltas ao redor de uma igreja, até uma alma aparecer.
- Essa é sua idéia? Andar ao redor da Catedral? Você já viu o tamanho dela? Reclamou Lúcia.
- Tem alguma idéia melhor?
- Que tal uma invocação? Podíamos desenhar um pentagrama na...
- Pentagrama? Na porta de uma igreja? Perguntei espantado.
- Claro, porque não? Eu odeio cristãos mesmo! Disse Lúcia.
- Lúcia, você...
De súbito vemos um homem com roupas da guarda espanhola, com uma lança em riste caminhando firme em nossa direção.
-Alto! Quem vem lá!? Perguntou o guardião espanhol.
Me chamo Miguel Colaço, estou à procura de uma mulher aqui na Espanha. O senhor poderia me dizer onde posso obter essa informação?
- Que tipo de mulher espera encontrar na frente da catedral a esta hora? Indagou o guardião espanhol.
- Ela é encarnada, se chama Orquídea Negra.
- Encarnada?-O guarda baixou a lança e coçou a cabeça para pensar a respeito, e nisso se ouviu um grito alto ao fundo e um homem acompanhado de cerca de 10 soldados com o mesmo uniforme correu à minha frente.
- Soldado Gonzalez! Que se passa aqui? Perguntou o militar.
- Me chamo Miguel Colaço - repeti cortando a fala do soldado – procuro por uma mulher encarnada que vive aqui na Espanha.
Provavelmente a julgar minhas roupas o chefe dos soldados concluiu que eu deveria ser um nobre ou coisa parecida. Então fez uma saudação militar e depois me estendeu a mão.
- Sou o capitão Castillo, chefe dessa guarnição. Meu turno está movimentado hoje! Ao que parece surgiram do nada, no meio do pátio da Igreja, duas enormes feras gigantes que afugentaram todas as pessoas! As pessoas correram, a catedral foi fechada e me reportaram o fato, que agora estamos atrás das temíveis bestas.

De súbito eu senti um leve mal-estar, Lúcia não falou mais nada desde que os soldados haviam chegado e eles deviam achar que era uma loba apenas e mesmo com as palavras do capitão não abriu a boca. Os olhos dele pareciam ler o que eu estava pensando, mas ao tentar esboçar uma reação, ou uma desculpa, ele continuou:
-Enfim, ao que parece elas se foram, não é mesmo? Concluiu com um discreto sorriso. Mas me diga Dom Miguel, o que deseja saber vindo atrás dessa mulher?
Ignorei o Dom, embora tivesse certeza que era uma maneira educada de me tratar e não uma ironia. Sabia que minha bisavó era da Espanha, de onde herdei o nome Colaço mas pouco sabia da cultura e do trato social.
- Apenas saber aonde está, e se está bem. A irmã dela mora longe e está preocupada com ela.-E fato era de que embora existissem vários “poréns” na minha afirmação, não havia mentira nenhuma no que havia dito.
- Somente isso?
-Tem minha palavra Capitão.
-Bueno, vamos resolver isso então.
Ao que conversávamos havia perdido a noção do que ocorria a minha volta, pessoas de várias épocas voltavam a caminhar pela praça. A Catedral estava reaberta novamente, então caminhávamos em sua direção.
- Ah sim: seu cão fica do lado de fora, avisou o Capitão Castillo.
- Não é um cão, capitão, é uma loba, expliquei.
- Uma, fêmea? Claro! Então tudo muda! Pode trazê-la então, o problema são os machos! Entram e urinam em tudo! Observou o feliz capitão espanhol.
Andamos por um corredor comprido, e o capitão me contara que sua família havia servido por anos na Espanha. Que se sentia honrado de manter a tradição tanto vivo quanto morto no antigo reino. Comentou orgulhoso que tinha um descendente encarnado trabalhando durante o dia na restauração da Catedral.


A guarnição que comandava também havia lutado com ele em vida. Eram todos velhos amigos, irmãos de armas. Era um homem forte, de olhar franco. Com cabelos e olhos pretos, além de uma barba rala e de um andar firme. Mas que acusava um leve coxear. Talvez um ferimento antigo de guerra do qual ainda não tivesse abandonado da vida terrena. Talvez para alguns seja difícil entender, mas para um guerreiro, cicatrizes de batalha são motivo de orgulho, o que talvez pudesse explicar o porquê de ainda manter tal lembrança em seu caminhar.

Paramos de frente a uma enorme porta de madeira trabalhada, de dentro da Catedral de Santiago.
-Agora , disse o capitão , devemos esperar um pouco.
Aproveitei a pausa e me abaixei para acariciar Lúcia que se negava a virar humana, estava muda e provavelmente aborrecidíssima comigo.
-É um belo animal señor!– observou um dos soldados. Era gordo, e tinha uma cara de estúpido.
- Sim, muito bela! – respondi enquanto acariciava Lúcia.
-Deve ser uma bela companheira!- retrucou, e dessa vez abria um sorriso estúpido, com os dentes arreganhados enquanto balançava a cabeça freneticamente, então entendi o que ele REALMENTE queria dizer sobre Lúcia ser bela e companheira.
- Oh não! Não! Não! Não eu...Gaguejei tentando explicar o inexplicável.
-Sanchez!-interveio o capitão - Por Deus homem! Pare de constranger o pobre rapaz! Como ousa falar um absurdo desses? Nem todos são como você!
-Acredite você, rapaz, que este monte de estrume quando vivo gostava da companhia de vacas, cabras e ovelhas! Foi uma dificuldade tirar isto dele! Toda vez que alguém aparece com um animal aqui ele imagina uma besteira dessas!Explicou o Capitão.

Eu havia ficado com um leve mal-estar da confusão de nossa chegada, mas agora estava totalmente desconfortável com a situação. Claro que eu nunca havia visto a forma humana de Lúcia, embora soubesse que era humana. Mas sempre que tivemos relações amorosas foram na forma de lobo. Ambos na forma de lobo. Logo, diferente dele, nunca havia praticado zoofilia. Ainda assim, havia um fundo de verdade na insinuação daquele infeliz, e era isso que me deixava constrangido.
Para piorar, Lúcia para se vingar (creio eu) começou a abanar o rabo, cheirar minha virilha e a pular em cima de mim, querendo lamber meu rosto, o que fez os soldados rirem ainda mais.
- Silêncio vocês todos! Sanchez! Peça desculpas imediatamente! Gritou o capitão tentando encerrar o constrangedor assunto.
Com a bronca, todos silenciaram, então o gordo sorriu mais uma vez, estendeu a mão e pediu desculpas. As aceitei imediatamente, queria dar um fim naquilo tudo de uma vez.
- Eu sei que o senhor nunca... – e fez um gesto simulando sexo – com sua cachorrinha, só estava brincando, me perdoe!
Apenas balancei a cabeça, não queria mais ficar naquela maldita conversa, alguns soldados deram um tapa nas costas dele. Capitão Castillo pôs a mão no meu ombro e disse:
- Ele é apenas um pombo gordo, ignore-o!
- Capitão eu...
-Ah finalmente! Nossa vez!
Entramos em uma sala pequena, mas com um teto que parecia chegar ao céu, com uma pilha de livros velhos, lembrando muito uma biblioteca medieval. Lúcia ficou do lado de fora. Enquanto eu olhava boquiaberto o local, o Capitão tomou a palavra:
- Velho desgraçado! Faça algo útil na sua pós-vida miserável! Ajude Dom Miguel a achar quem ele quer! Disse dirigindo a palavra a um idoso bem enrugado que se debruçava sobre um enorme livro em uma mesa central na ante sala.
O velho não se alterou.
Percebendo a insistência do Capitão Castillo, resmungou:
- Há 3 tipos de humanos que eu odeio: Índios, Ingleses e Sul Americanos! E você, meu rapaz, tem os três! Anunciou muito bravo com a minha presença.
“No além, seja educado acima de tudo.” Meu mestre sempre me falou isso. Ia esboçar uma resposta, mas novamente ouvi o capitão:
- Maldição! Se não gosta deles então dê o que ele quer para que saia logo da sua frente!
Pensativo, o velho concordou com o Capitão. Então pesquisou o nome que lhe dei.
- Viu o que eu falei? Só me dão trabalho! Ela não está aqui! Não está aqui! Repetiu .

Então ele pegou um pedaço de papel, e começou a escrever algo: - Nosso poderoso senhor - disse, fazendo o sinal da cruz - colocou homens e mulheres de bem na Espanha. Depois jogou bêbados, retardados, miseráveis, prostitutas e todo tipo de devassas e bastardos numa ilha!!Falava enquanto escrevia freneticamente.
Sua mão trêmula me entregou o papel que havia escrito. Haviam letras que eu não entendia e um desenho que embora se mexesse, de certo modo fazia sentido.
- ...E Ele batizou aquele antro de desgraça como Inglaterra! Concluiu o velho livreiro.
E era para lá que eu deveria ir.

Inglaterra.