domingo, 20 de março de 2011

O Médium e o Fanfarrão


Escrito por Xamã

“Você se acha especial? Acha sim.

Eu posso ver nos seus olhos.

Posso ver quando você ri para mim.

Quando me olha por cima, quando me cerca.”
- Limp Bizkit, My Way

No recente feriado de carnaval, passei na companhia da minha namorada Valerie. Entre conversas relembramos o caso de um rapaz conhecido dela, o Alex. Antes de começarmos a namorar, Alex vivia na casa dela, um legítimo fã de animes, um otaku.

Entre uma bobagem e outra, ele dizia que a casa de Valerie era mal assombrada, que lá existia uma criança havia sido morta e até hoje andava com um tiro na cabeça e blá blá blá. Nessa época ela namorava com outra pessoa, mas ainda assim Alex insistia em vê-la, até que por fim ia com ela para todos os lugares. Nisso começou a revelar fatos desconhecidos da minha namorada sobre ela mesma:

“- Você não é humana, é meio anjo e meio demônio! Você tem um demônio que serve como seu protetor, ele se chama Ceifador!”

Valerie ria.Não levava a história a sério e pedia para ele parar de falar besteiras. Mas dias depois voltou com mais uma "pérola", agora então sobre o namorado dela:

“- Valerie, seu namorado fez magia negra! Para salvar a vida dele você precisa terminar com ele, pois só assim o Ceifador vai se acalmar e deixar ele em paz! E como eu sou muito amigo do Ceifador ele disse que você tem de namorar comigo!”

Foi o fim da picada. Por educação ela deixava de dizer muita coisa, mas depois dessa ela falou tanta coisa para ele que por meses ficou sem dar sinal de vida. Quando Valerie enfim terminou seu relacionamento anterior, Alex apareceu do nada (na verdade todos os ex e pretendentes apareceram), mas até então ele não sabia que ela já estava comigo. Estávamos esperando um tempo para dizer aos conhecidos que estávamos namorando, então como Alex não sabia de nada, deu um pulo pra trás quando chegou na casa dela dando de cara comigo.

Apresentei-me a ele como namorado atual, então ele me respondeu:

“- Bom o Ceifador tem um recado pra você direto do além...”

Nem quis escutar o resto da marola. Eu odeio gente que trata o espiritual de forma tão desrespeitosa e vulgar. Geralmente ignoro esse povinho, mas juntei isso ao fato dele ficar em volta da mulher que eu amo, me irritei, fui até ele e o peguei pelo pescoço:

“- Um espírito evoluído diria que você é um irmão que está em uma fase incial de aprendizagem, e que eu não deveria julgá-lo. Mas eu não sou tão evoluído assim. Gente como você que inventa mentira pondo espírito no meio pra ver se arruma uma garota não merece nem pena, você é ridículo! Apareça aqui de novo e eu vou te mostrar um demônio de verdade seu m...!”

Quando o soltei, ele saiu correndo e nunca mais o vimos. Outro dia no no Msn ele dizia a amigos que (pasmem!) ia em viagem ao Egito dar aulas de simbologia! Claro que com algumas perguntas ele foi desmascarado.

Daí sumiu de vez. Isso foi há meses atrás. No carnaval recebemos um amigo meu, Antônio (meu colega de trabalho e otaku também, mas não tão exagerado). Entre conversas lá e cá veio o assunto do Alex. Contei que ele dizia ver coisas, falar com espíritos e que via as pessoas não humanas (caso da minha Valerie, meio anjo e meio demônio hehehe), entre outras "pérolas".

“- Ele é da Liga da Justiça.” -disse Antônio.

“- O quê?”

“- Cara, sempre tem um babaca que diz ter "poderes". Então a gente (otakus e nerds em geral) diz que ele é membro da Liga da Justiça.”

Antônio tem uns acessos típicos de Otaku: inventa umas brincadeiras sem graça, mistura coisas de animes na vida real etc, mas nunca o vi exagerar nesse ponto, e a piada da "Liga da Justiça" ficou perfeita, uma boa sacada.

Não sei nem o porquê de eu ficar tão chateado com isso. Na verdade sei: O mundo espiritual vem sendo por vários anos massacrado/banalizado de todas as formas por tantos meios (cinema, livros, pessoas, etc) que quem trata do outro mundo de forma séria se aborrece. Espiritismo é coisa séria, não falo apenas da religião, mas do tema em si. Médiuns não são seres exóticos que ficam em templos cercados de serviçais orando e cheirando incenso todo dia.

Certa vez vi uma mulher na casa de um amigo, dono de um terreiro, ela perguntava aonde meu amigo estava. Sua filha explicou:

“- Ele foi no banco.”

A dita cuja se espantou:

“- Mas um homem igual ele vai ao banco?”

Como o Grande Espírito da Coruja disse certa vez pra mim:

“- Humanos...”

Médiuns em geral são pessoas discretas, que gostam de viver de maneira simples, pagam contas, trabalham em empregos comuns, ligam para os parentes para saber como estão, se preocupam com as mesmas coisas materiais como todo ser humano. Se apaixonam, se irritam (eu até demais) e sentem medo.

Lembram-se da célebre cena do avião no filme Chico Xavier? Mesmo com a certeza de que há um outro mundo, mesmo com seu guia do lado, o grande Chico como todo ser humano tinha medo. E ele não escondeu isso de ninguém, pelo contrário, confessou isso a plenos pulmões:

“- Eu estou apavorado! Valha-me Deus minha mãezinha!”

Sou extremamente cuidadoso em falar do tema. Meus colegas de trabalho e muitos amigos sequer imaginam que eu seja médium de passagem. E os poucos que sabem não saem espalhando por aí. Quando o assunto sobre religião aparece, eu sempre desconverso:

"- Ah não acredito nessas coisas não."

Não que eu tenha de esconder isso, mas não vou anunciar a plenos pulmões. Não quero gente me cercando dizendo que isso "- é coisa do Satanás", ou pedindo pra eu ver quem ela foi em outra vida, qual espírito o acompanha etc. Existe hora e local para isso. Discrição faz parte da disciplina necessária, ficar agindo dizendo um monte de besteiras não. Por causa da mediunidade, aflorada desde a adolescência, já passei por situações bem complicadas. Já conversei com gente que não estava viva, mas eu não percebi isso na hora e conversei numa boa, depois as pessoas me olhavam e perguntavam com quem eu falava. É um tipo de situação incômoda, muito desconfortável.

Esses “membros” da “Liga da Justiça Otaku” são perfeitos idiotas. Acham que se disserem a si mesmos que tem "poderes", serão melhores do que os outros, que ao ver isso e aquilo serão especiais. Na verdade são parte de um seleto grupo:

Os mentirosos, os charlatães, os pilantras.

Um médium sério e disciplinado não precisa sair anunciando, ele simplesmente vive. A avó de Valerie é médium de passagem como eu. Na primeira vez que a vi senti isso, não vi nada, não escutei nada, porém algo me dava a sensação de que ela era ligada ao espiritual. Tempos depois que nos conhecemos melhor, ela me disse (sem eu nunca ter tocado no assunto com ela):

“- Vocês são um belo par de machos!”

Não entendi na hora, mas antes de perguntar sobre o que ela estava dizendo, ela continuou:

“- Você é um rapaz lindo com essa cara de brabo como homem tem de ser, esse cabelão loiro, e esse seu caboclo que o acompanha é muito bonito também! São um belo par de machos!”

Eu nunca havia contado a ninguém naquela casa que eu era médium, muito menos que uma das entidades que trabalho é da linha dos caboclos. Eis aí uma médium autêntica. O que torna as pessoas especiais, são quem elas são de verdade, como elas agem no dia a dia, com as pessoas que os cercam. Não me sinto melhor ou pior do que os outros, sou diferente.

Mas isso é redundante, TODO ser humano é diferente, complexo, um quebra-cabeças do qual às vezes nem ele sabe como juntar as peças. Quando minha relação com Valerie começou a se tornar mais séria me senti na obrigação de contar a ela sobre minha espiritualidade. Procurei explicar que eu era médium de passagem, pois se ela me quisesse teria de me aceitar como eu sou. Como eu e Mulher Gavião sempre falamos:

"- Faz parte do pacote."

Felizmente deu tudo certo, ela disse que sempre me achou "estranho", mas aceitou. Estamos felizes, e sei que ela me ama não por eu ver coisas ou dar passagem, mas por estar com ela no dia a dia. Certa vez Valerie disse-me que por causa dos meus dons eu era especial.

Não. Especial eu me sinto ao lado dela, da minha mãe, irmãos, dos amigos. Enfim, especial eu sou ao lado das pessoas que eu amo!

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